O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

poesia




a Cristina falou-nos de "Cadernos dum amador de teatro" de António Pedro



a Maria trouxe-nos
"História do Sábio Fechado na sua Biblioteca", de Manuel António Pina



a Celina leu Florbela Espanca, acompanhada pela Mafalda, Maria Beatriz, Gonçalo e João
Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...

                                E não sou nada!...


Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhas de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente! 



o Gonçalo leu, de sua autoria
Só para variar

Bem não sei o que hei de dizer
faltam-me as palavras
a criatividade está escassa
por favor eu já não sei o que faça.
   
Revolução, depressão, amor ou emoção
nada bate certo no meu pobre coração
não sinto vontade de escrever
sinto que parte de mim está a morrer.

Sendo assim decidi escrever sobre esta escassez
e provavelmente nada de jeito me sairá
mesmo não sendo a primeira vez
vamos lá ver no que dá.

Política? Não obrigado
Religião? Fica para outro dia
Pobreza? Prefiro não comentar
Solidão? Preciso é de companhia!

Mas quem sabe talvez até seja criativo
escrever sobre esta falta de criatividade
mas quem sabe até seja criativo
para um poeta com 14 anos de idade.

Se for criativo que me digam vossas Excelências
se for inovador que me fale esta sociedade
contudo, neste momento sinto-me vazio
falta-me a minha querida criatividade.

Gonçalo Moreira



a Maria Teresa leu Vergílio Ferreira

Reabre o céu depois de uma chuvada
no azul do dia.
É o azul do nada
com que se fazem os deuses e a poesia.

excerto do conto Uma esplanada sobre o mar (1986) 



o Tomás leu Manuel Freire
Eles

Ei-los que partem novos e velhos
Buscar a sorte noutras paragens
Noutras aragens, entre outros povos,
Ei-los que partem velhos e novos.

Ei-los que partem, de olhos molhados,
Coração triste, a saca às costas.
Esperança em riste, sonhos dourados
Ei-los que partem, de olhos molhados.

Virão um dia, ricos ou não
Contando histórias de lá de longe
Onde o suor se fez em pão

Virão um dia, ricos ou não.

Virão um dia, ou não.

 in Poetas de hoje e de ontem



a Maria leu Maria Alberta Menéres


Falar de poesia a crianças. Mas como? Dizer o que é a poesia? Dar uma definição rigorosa ou sugestiva?
Há algum tempo assisti a um colóquio em que o tema central era precisamente a poesia.
Era um colóquio para jovens e eu sentava-me junto de alguns, ouvindo alguém que se esforçava por demonstrar que não era possível dizer o que era a poesia.
Ao meu lado, baixinho, para não interromper, o Fernando indignou-se:
- Ora esta!, Mas eu sei o que é…
Eu – Então diz lá.
Fernando – A poesia é a beleza da vida.
Eu – Parece-me que tens razão.
Logo o João se meteu na conversa:
- Então as coisas feias não têm poesia?!
Eu – Parece-me que tens razão: as coisas feias também têm poesia.
Salta o André:
- Nesse caso, a poesia pode ser o sentido das coisas.

(…) A poesia é a beleza e o sentido das coisas e de nós próprios.
É uma maneira de olhar o mundo.
É uma forma de atenção a tudo.
Ela pode estar em toda a parte: nós, às vezes, é que não estamos onde ela está, só porque passamos ou vivemos distraídos.
E outras vezes estamos e encontramo-la.
E outras vezes encontramos a poesia e não a sabemos escrever.

o Luís leu Eduardo White
Não faz mal

Voar é uma dádiva da poesia.
Um verso arde na brancura aérea do papel,
toma balanço,
não resiste.

Solta-se-lhe
o animal alado.
Voa sobre as casas,
sobre as ruas,
sobre os homens que passam,
procura um pássaro
para acasalar.

Sílaba a sílaba
o verso voa.

E se o procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum
sentimento o terá deixado pousar, partido com ele.
Estará o verso connosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube.
Aquietemo-nos. Amainemo-nos esse desejo de o prendermos.

Não é justo um pássaro
onde ele não pode voar.



a Alexandra leu José Carlos Ary dos Santos
Poeta Castrado Não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não! 





a Gabriela leu de Percy B. Shelley, um excerto de Defesa da Poesia




o Fernando leu "Travessa do Diabinho" de Miguel-Manso, de "Tojo - Poemas Escolhidos"



a Ana e a Luísa leram Jorge Castro
Hoje, eu cá celebro Abril 

Aqui ficam outros poemas do autor.


a Teresa leu um excerto de Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto


o Renato leu um excerto de O filho do desconhecido de Alan Hollinghurst 


a Margarida leu Ana Paula Lavado
Nenhum verso


Nenhum verso fala de mim
nem do que eu penso
nem do que eu sinto
nem do que eu sou.
Na realidade,
as palavras são apenas
um jogo de letras
mais ou menos cinzelado
ao gosto de cada um.
E poucos, muito poucos
fazem delas seres vivos e humanos.
Eu não lhes dou vida.
Trabalho-as com mais ou menos nexo
ou talvez sem nexo,
porque dele não sinto falta
nem faz falta o que sou!


a Cristina leu, de Sophia de Mello Breyner Andresen
 Arte Poética V

Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.

Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.

Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.

No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.

Um dia em Epidauro — aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas — coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim.

Tempos depois, escrevi estes três versos:

    A voz sobe os últimos degraus
    Oiço a palavra alada impessoal
    Que reconheço por não ser já minha.

(Lido na Sorbonne, em Paris, em Dezembro de 1988,
por ocasião do encontro intitulado Les Belles Étrangères)


e não poderíamos acabar sem as tradicionais guloseimas


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