O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

16 de Novembro de 2010 - Fado

Silêncio, que se vai falar o fado!

O Carlos veio pela primeira vez ao Clube. E por isso... foi o primeiro!



 

Comemorando o 88º aniversário do nascimento de José Saramago com um pequeno poema:

É tão fundo o silêncio entre as estrelas.

Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.

Mas lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas.

in Provavelmente Alegria.
... e retomando o tema da sessão ficou, de Amália Rodrigues (pode ouvir-se aqui):

 
O Grito (Munch)

GRITO

Silêncio!

Do silêncio faço um grito
O corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco.

De sombra a sombra
Há um Céu...tão recolhido...
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido.

Ao céu!
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás dela.

E eu,
A quem o céu esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora.

Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura.

Ai, solidão
Quem fora escorpião
Ai! solidão
E se mordera a cabeça!

Adeus
Já fui para além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada a uma parede.

Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase loucura.
 A Helena M. trouxe de Ary dos Santos Quando Lisboa Anoitece (aqui canta-a Amália Rodrigues)


Quando Lisboa anoitece
Como um veleiro sem velas,
Alfama toda, parece
Uma casa sem janelas
Aonde o povo arrefece.

É numa água-furtada,
No espaço roubado à mágoa
Que Alfama fica fechada
Em quatro paredes d'água!
Quatro paredes de pranto!

Quatro muros d'ansiedade!
Que à noite fazem o canto
Que se acende na cidade!
Fechada em seu desencanto,
Alfama cheira a saudade!

Alfama não cheira a Fado,
Cheira povo, a solidão!
Cheira a silêncio magoado!
Sabe a tristeza com pão!
Alfama não cheira a Fado

Mas não tem outra canção!

O Augusto deixou-nos dois dos seus textos: O Meu Fado e Valeu a Pena






A Mila leu, de José Régio:

 Fado Português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.
E porque  Fado também é Destino, a Mila leu ainda, de Luís de Camões:

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: — Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!
A Helena R., que agora não pensa senão em Florestas, foi também aos "Versos" de Amália, encontrar este Pinheiro Meu Irmão (pode-se ouvir aqui):

Ribeiro não corras mais
Que não hás de ser eterno
O Verão vai-te roubar
O que te deu o Inverno

Até a lenha no monte
Tem sua separação
Duma lenha se faz santos
E d'outra lenha
Se faz o carvão

Ando caída em desgraça
O que é que eu hei-de fazer
Todos os santos que pinte
Demónios têm que ser

São tão grandes minhas penas
Que me deitam afogar
Vêm umas atrás das outras
Tal como as ondas
Andam no mar

Apanho e como as raízes
Que estão debaixo da terra
Só as ramas não as como
Porque essas o vento as leva

Ó pinheiro meu irmão
Tu também és como eu
Também tu estendes em vão
Ó pinheiro meu irmão
Teus braços p'ró céu
A sessão do Miguel Torga foi antes... e o destino pode ser fado ou podemos mudá-lo: duas visões do destino que nos trouxe a Virgínia

Destino
Vai um barco no rio
É uma vela enfunada
Desta manhã de frio
E desta luz cansada

Passa devagarinho
E lá se perde no fundo
A seguir o caminho
Que tudo tem no mundo...


Há Ratoeiras!

Há Ratoeiras!

Quando vierem, como feiticeiros,
Tirar-te o espírito do corpo,
Obstina-te, irmão!

Não,
Não
E Não,

Seja qual for a habilidade
E a humanidade
De encantação.

Lembra-te dum cortiço!
O que ferve lá dentro e dá favos de mel,
É que presta.

Mas se querem a festa
Da tua morte,

Então,
Que levem tudo no caixão:
A alma e o suporte!

O Paulo também trouxe Miguel Torga, com a curiosidade de "o Fado estar do outro lado da Vida":

A Vida
Povo Basco, Andaluz
Galego, Asturiano,
Catalão, Português:
O Caminho é saibroso e franciscano
Do berço à sepultura.

Mas a grande aventura
Não é rasgar os pés
E chegar morto ao fim;

É nunca, por nenhuma razão,
Descrer do chão
Duro e ruim

O Fado
Tem cada povo o seu fado
Já talhado
No livro da natureza.

Um destino reservado,
De riqueza
Ou de pobreza,
Consoante o chão lavrado
A Alexandra J. ia "falar o fado"... mas não falou. E porque a Teresa ia cantar  (mas não cantou), leu a Alexandra (e encantou... olha! rimou!)


Novo Fado de Alcochete
(cantado aqui)














Mas se a Alexandra não falou... falou o António!



A Helena inspirou-se no quadro Fado de José Malhoa, e a propósito leu o poema Fado Malhôa (ouve-se, por exemplo, aqui):

O Fado (José Malhoa)
 
Alguém,
que Deus já lá tem,
pintor consagrado,
que foi bem grande e nos dói
ser já do passado,
cantou numa tela,
com arte e com vida,
a trova mais bela
da terra mais querida.

Subiu

a um quarto que viu
à luz do petróleo
e fez
o mais português
dos quadros a óleo:
um zé de samarra
com a amante a seu lado,
com os dedos agarra,
percorre a guitarra,
e ali vê-se o Fado!


Faz rir

a ideia de ouvir
com os olhos, senhores.
Fará,
mas não para quem já
ouviu, mas em cores.
Há vozes de Alfama
naquela pintura
e a banza derrama
canções de amargura.

Dali

vos digo que ouvi
a voz que se esmera:
boçal,
um faia banal
cantando à Severa.
Aquilo é bairrista;
aquilo é Lisboa,
boémia e fadista,
aquilo é de artista;
aquilo é Malhoa!
Pois a Cecília foi buscar outras cantigas... e na Caderneta de Cromos encontrou a memória de "Um grande, grande amor", do Festival da Canção de 1980.



Já para a Mariana Fado é destino. Leu-nos um texto da sua autoria:




















Fados
Era Dezembro, numa linda manhã
Ansiosos e felizes, partimos!
Fomos todos: pais, avós, até o cão.
Era grande a nossa excitação;
E todos, nossos corações abrimos
Para que tivesses papá e mamã.

Tal como se fosse hoje
Eu recordo teus bracinhos
Levantados para mim
Diziam: Leva-me, sim?
E dá-me muitos miminhos.
-Eu corri como quem foge

Trazia-te nos meus braços,
Não te podia largar.
Porque alguém me dizia:
Se quisesse - "Devolvia"
Não conseguia falar
Só unir os nossos laços!

Muitos anos passaram
Do lindo botão de rosa
Abriu uma linda flor
Com carinho e amor
Surgiu a mulher bondosa
Que FADOS me roubaram!
A Paula e o Daniel tiveram um encontro imediato com uma letra de Carlos Paião: O Senhor Extra-Terrestre (aqui imperdível pela Amália... e imperdível também já aqui em baixo!)

Vou contar-vos uma história
que não me sai da memória,
foi para mim uma vitória
nesta era espacial.
Noutro dia estremeci
quando abri a porta e vi
um grandessíssimo ovni
pousado no meu quintal.

Fui logo bater à porta,
veio uma figura torta,
eu disse: se não se importa
poderia ir-se embora,
tenho esta roupa a secar
e ainda se vai sujar
se essa coisa aí ficar
a deitar fumo para fora.

E o senhor extraterrestre
viu-se um pouco atrapalhado,
quis falar mas disse pi,
estava mal sintonizado.
Mexeu lá o botãozinho
e pôde contar-me então
que tinha sido multado
por o terem apanhado
sem carta de condução.

O senhor desculpe lá,
não quero passar por má,
pois você onde está
não me adianta nem me atrasa.
O pior é que a vizinha
que parece que adivinha
quando vir que estou sozinha
com um estranho em minha casa.

Mas já que está aí de pé
venha tomar um café,
faz-me pena, pois você
nem tem cara de ser mau
e eu queria saber também
se na terra donde vem
não conhece lá ninguém
que me arranje bacalhau.

E o senhor extraterrestre
viu-se um pouco atrapalhado,
quis falar mas disse pi,
estava mal sintonizado.
Mexeu lá no botãozinho,
disse para me pôr a pau,
pois na terra donde vinha
nem há cheiro de sardinha
quanto mais de bacalhau.

Conte agora novidades:
É casado? Tem saudades?
Já tem filhos? De que idades?
Só um? A quem é que sai?
Tem retratos com certeza,
mostre lá? Ai que riqueza,
não é mesmo uma beleza,
tão verdinho? sai ao pai.

Já está de chaves na mão?
Vai voltar para o avião?
Espere, que já ali estão
umas sandes para viagem
e vista também aquela
camisinha de flanela
para quando abrir a janela
não se constipar com a aragem.

E o senhor extraterrestre
viu-se um pouco atrapalhado,
quis falar mas disse pi,
estava mal sintonizado.
Mexeu lá no botãozinho
e pôde-me então dizer
que quer que eu vá visitá-lo,
que acha graça quando eu falo
ou ao menos para escrever.

E o senhor extraterrestre
viu-se um pouco atrapalhado,
quis falar mas disse pi,
estava mal sintonizado.
Mexeu lá no botãozinho
só para dizer: Deus lhe pague.
Eu dei-lhe um copo de vinho
e lá foi no seu caminho
que era um pouco em ziguezague.



A Isabel trouxe de José da Ponte Lusitana Paixão (e cantámos todos como a Dulce Pontes!)

Fado

Chorar a tristeza bem
Fado adormecer com a dor
Fado só quando a saudade vem
Arrancar do meu passado
Um grande amor

Mas
Não condeno essa paixão
Essa mágoa das palavras
Que a guitarra vai gemendo também

Eu não, eu não pedirei perdão
Quando gozar o pecado
E voltar a dar a mim

Porque eu quero ser feliz
E a desdita não se diz
Não quero o que o fado quer dizer

Fado
Soluçar recordações
Fado
Reviver uma tal dor
Fado
Só quando a saudade vem
Arrancar do meu passado um grande amor

Mas não condeno essa paixão
Essa mágoa das palavras
Que a guitarra vai gemendo também

Eu não, eu não pedirei perdão
Quando gozar o pecado
E voltar a dar a mim

Eu sei desse lado que há em nós
Cheio de alma lusitana
Como a lenda da Severa

Porque eu quero ser feliz
E a desdita não se diz

O fado
Não me faz arrepender
E o João (que até ontem não sabia cantar o fado) pôs-nos todos a cantar... como a Mariza ou o Carlos do Carmo! (a letra é de Ary dos Santos)



No Castelo, ponho um cotovelo

Em Alfama, descanso o olhar
E assim desfaz-se o novelo
De azul e mar

À ribeira encosto a cabeça
A almofada, na cama do Tejo
Com lençóis bordados à pressa
Na cambraia de um beijo

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

No Terreiro eu passo por ti
Mas da Graça eu vejo-te nua
Quando um pombo te olha, sorri
És mulher da rua

E no bairro mais alto do sonho
Ponho o fado que soube inventar
Aguardente de vida e medronho
Que me faz cantar

Lisboa menina e moça, menina
Da luz que meus olhos vêem tão pura
Teus seios são as colinas, varina
Pregão que me traz à porta, ternura

Cidade a ponto luz bordada
Toalha à beira mar estendida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

Lisboa no meu amor, deitada
Cidade por minhas mãos despida
Lisboa menina e moça, amada
Cidade mulher da minha vida

6 comentários:

  1. Que bem!!!!! Acabei agorinha mesmo de ver o blog.
    Que pena que eu não pude ir. A próxima não falho (deixa ver...). Na terça, 23, para o ensaio, só devo poder chegar por volta das nove. Logo confirmo.
    Beijos
    Cristina

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  2. Pois não viste tudo, que só agora terminei!... Agora diz se não gostas da surpresa ;-)

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  3. Pois bem, cá estou, regressada agora mesmo de Castro Verde, cansada, e... chego aqui e dou com isto. Nem sei que te diga Lena. Embasbaquei! Estou feliz e muitíssimo agradecida. Estive a vê-los e ouvi-los e ... tão bem que lêem e cantam e divertem-se. Obrigada a todos mas o meu agradecimento especial é para ti. Que trabalheira, menina. Tenho um nó na garganta, não me sai nada... só me lembro disto:
    "Amigo é uma grande tarefa,
    Um trabalho sem fim,
    Um espaço útil, um tempo fértil,
    Amigo vai ser, é já uma grande festa!"
    Foi para pessoas como tu que ele escreveu estes versos.
    Beijos
    Cristina

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  4. vá... vá... se todo o trabalho desse tanto gozo como este! Isto nem é trabalho! É puro prazer!

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  5. Que belo trabalho, o da Lena! Isto é que é dedicação! Pela minha parte, fico muito grata. Beijinhos, Virgínia

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