O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

2011.05.24 - Construções

Mariana
de Cecília Pinto "O bicho Homem"
Homem, tu; constróis casas.
Homem, tu; constróis pontes.
Homem, tu; constróis esperanças.
Homem, tu; constróis sonhos.

Explica-me, Homem!
Explica-me lá, Homem!
Porque é que destróis tudo?

Cecília
de Mariana Thomaz "Construção"
Letra junto a letra
e mais letras a seguir,
uma palavra
acabo de construir!

Palavra junto a palavra,
mais palavras a seguir,
um verso
acabado de concluir!

Verso junto a verso,
e mais versos a seguir,
uma estrofe
acabo de conseguir!

Com letras, palavras, versos e estrofes,
mais dos mesmos a seguir,
um poema
acabo de construir!

Mila
de Luigi Pirandello in "Um, Ninguém e Cem Mil"
















"Seria bom que houvesse um pouco mais de entendimento entre o homem e a natureza."


António Soares e Helena P.
Mário-Henrique Leiria in "Novos contos do gin"
 

A banana

Era uma Velha
tinha uma touca
estava sentada lá na Aldeia
com generais
imperativos e marciais
lá na Aldeia
também havia alguns pardais
bastante menos que generais
e muito menos
marciais
mas o que se impunha
era educar
e impor a lei
em posição mais marcial
que a do pardal
que tal que tal que tal
e a Velha querida
perna estendida
e sorridente e cordial
já prometia a importação a exportação
e algum grão de bico de bico de bico

parece então que foi
então
que quem não era general
nem considerado
com preparação operacional
na construção
reconstrução constipação
do bananal nacional
viva Tentúgal
e não tinha o menor bico
pico pico serenico
sentiu que só sol e só Velha com uma touca
que louca que louca que louca
era tristeza era pobreza
e coisa pouca
e foi-se embora
para Chucrute
para Bolero
para Zamora
e até pra França
deixando o bico
tão rico tão rico tão rico
marcando passo requiquitico
em contradança
com generais industriais
da construção
da exportação da importação
e de algum grão
de bico de bico de bico

Mário-Henrique Leiria
de Novos contos do gin


Virgínia e Paulo
de Mário Cesariny "Exposição"








































Ana França
de Pedro Támen "Caracóis"



 Desliza, liso pé, lisa palma sobre a ruga da pedra


Alexandra F.
de Maria do Rosário Pereira in "Os Caçadores de Almas"


[...]


António Gil
de Marta Pais Oliveira in "Jornal Público, 2011.05.15"

"Quando os turistas/ procuram a cultura da cidade morta"

No Cemitério Père Lachaise, em Paris, passeiam-se milhares de turistas. Todos os anos, os visitantes procuram as construções onde estão gravados nomes como Mareei Proust, Edith Piaf ou Jim Morrison.
Em Buenos Aires, no Cemitério de La Recoleta, o túmulo de Eva Perón continua a atrair flashes fotográficos, tal como no Cemitério Hollywood Forever, no Santa Monica Boulevard, onde estão enterradas celebridades da indústria de entretenimento norte-americano.
Mas não é apenas o "culto" dos famosos que atrai este turismo cemiterial é também o valor monumental das construções e os cemitérios portugueses parecem estar, por seu lado, a captar cada vez mais público, principalmente oriundo do Norte e Centro da Europa e da Ásia.
Mas o que procuram os turistas que visitam os nossos cemitérios?
Tanto os estrangeiros como os nacionais valorizam a vertente cultural e a ostentação dos cemitérios e há ainda outros que optam pela vertente do turismo "negro" - explica Francisco Queiroz, investigador da Universidade do Porto.
Dados do município de Lisboa revelam que, só em Setembro de 2010, 800 turistas passaram pelo Cemitério dos Prazeres. Mas desde Janeiro deste ano já houve 7.187 visitas de estrangeiros, na maioria alemães e holandeses. Em Portugal, só o Prado do Repouso e o Agramente, os dois cemitérios municipais do Porto, integram a Rota Europeia de Cemitérios, criada pelo Conselho da Europa, no ano passado. O circuito cultural engloba 54 cemitérios, espalhados por 18 países.

"Eles ficam fascinados"

Entre 2007 e 2010, cerca de um milhar de turistas visitou os cemitérios portuenses, espaços ricos em construções planeadas por importantes arquitectos e artistas como Soares dos Reis ou Emídio Amatucci.
O porteiro de Agramente, José Sousa, conta que, diariamente, vê entrar "entre 15 e 20 turistas estrangeiros, principalmente no final da manha". Júlio Andrade, também porteiro, diz que "entram de mapa e máquina fotográfica em punho. Para eles, é como se o cemitério coleccionasse inúmeras mini-catedrais. "Eles ficam fascinados com as construções", salienta.
Sob o calor das 15 horas, avista-se um grupo. Ana Lemos, professora de 27 anos, guia sete estudantes da Universidade Sénior Eugénio de Andrade. "Vimos pela história, diz, pela arquitectura, pela capela, pelos exemplos de escultura mortuária. E amanha trago mais sete alunos", adianta, entre risos.
A estudante Maria Gabriela, de 63 anos, explica que não é a primeira vez que visita o cemitério. "Até já tenho aqui o meu sitio", confessa.
Aproveitando o crescente interesse por estes espaços, a Câmara do Porto, celebra, entre 28 de Maio e 3 de Junho, a Semana à Descoberta dos Cemitérios, uma Iniciativa que decorre em toda a Europa!!

Extracto de uma notícia do “Público”, de 15 de Maio, assinada por Marta Pais de Oliveira


Carmen
de Sophia de Mello Breyner in "O Nome das Coisas" (1977)

O Palácio
Era um dos palácios do Minotauro
— O da minha infância para mim o primeiro —
Tinha sido construído no século passado (e pintado a vermelho)

Estátuas escadas veludo granito
Tílias o cercavam de música e murmúrio
Paixões e traições o inchavam de grito

Espelhos ante espelhos tudo aprofundavam
Seu pátio era interior era átrio
As suas varandas eram por dentro
Viradas para o centro
Em grandes vazios as vozes ecoavam
Era um dos palácios do Minotauro
O da minha infancia — para mim o vermelho

Ali a magia como fogo ardia de Março a Fevereiro
A prata brilhava o vidro luzia
Tudo tilintava tudo estremecia
De noite e de dia

Era um dos palácios do Minotauro
— O da minha infância para mim o primeiro —
Ali o tumulto cego confundia
O escuro da noite e o brilho do dia
Ali era a furia o clamor o não-dito
Ali o confuso onde tudo irrompia
Ali era o Kaos onde tudo nascia
(aqui fica o manuscrito)
in http://purl.pt/19841/1/1920/galeria/f11/foto1.html

Ana Valente
Trouxe-nos uma surpresa acabadinha de sair...





















Rosa
de Mena Moreira "Eu, Tu, Ele. Seres em Construção"

Que bom que tenho consciência
Do ser que sou, fragmentado
Alguém sempre em construção
Imperfeito, incompleto, inacabado

Que bom que tenho consciência
Que o crescimento é parcelado
E que quanto mais eu aprendo
Nunca estou, por completo, "terminado"

Que bom que a mim é dado
A oportunidade de corrigir, de ser reciclado
De investir no que acho que está certo
E corrigir, tentar mudar o que está errado

Que bom que a mim é dado
A oportunidade de ser renovado!...



Helena R. e Fernando
Construção de uma leitura para o CLeVA a partir de vários mails e dois textos

de Pe António Vieira excerto do "Sermão do Espírito Santo"
(…)
Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
(…)
de Cesário Verde in "O Livro de Cesário Verde"
Desastre
Ele ia numa maca, em ânsias contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!"
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

Flanavam pelo Aterro os dândis e as cocottes,
Corriam char-à-bancs cheios de passageiros
E ouviam-se canções e estalos de chicotes,
Junto à maré, no Tejo, e as pragas dos cocheiros.

Viam-se os quarterões da Baixa: um bom poeta,
A rir e a conversar numa cervejaria,
Gritava para alguns: "Que cena tão faceta!
Reparem! Que episódio!" Ele já não gemia.

Findara honradamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atónita, exclamava:
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!"

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada a duas prostitutas:
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!"
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

Depois da sesta, um pouco estonteado e fraco,
Sentira a exalação da tarde abafadiça;
Quebravam-lhe o corpinho o fumo do tabaco
E o fato remendado e sujo da caliça.

Gastara o seu salário- oito vinténs ou menos-
Ao longe o mar; que abismo! e o sol, que labareda!
"Os vultos lá em baixo, oh! como são pequenos!"
E estremeceu, rolou nas atrações da queda.

O mísero, a doença, as privações cruéis
Soubera repelir - ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Anoitecia então. O féretro sinistro
Cruzou com um coupé seguido dum correio,
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro!"
Comprar um eleitor? Adormecer num seio?"

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro,
-Conservador, que esmaga o povo com impostos-,
Mandava arremessar- que gozo! estar solteiro!-
Os filhos naturais à roda dos expostos....

Mas não, não pode ser... deite-se um grande véu...
De resto, a dignidade e a corrupção... que sonhos!
Todos os figurões cortejam-no risonhos
E um padre que ali vai tirou-lhe o solidéu.

E o desgraçado? Ah! Ah! Foi para a vala imensa,
Na tumba, e sem o adeus dos rudes camaradas:
Isto porque o patrão negou-lhes a licença,
O inverno estava à porta e as obras atrasadas.

E antes, ao soletrar a narração do facto,
Vinda numa local hipócrita e ligeira,
Berrara ao empreiteiro, um tanto estupefacto:
"Morreu!? Pois não caísse! Alguma bebedeira!"

O resultado

[Costas com costas]

Fernando - hoje estou a ter um número excessivo de ideias. Achas que é por causa de ser 13 de maio? tive uma para o cleva construção, queres participar nela ?

Helena - também tive uma ideia, metia legos... só cheguei aí... havia dois textos (um do Cesário Verde) sobre operários de construção civil, o outro era aquele do Chico Buarque em que o operário "- morreu na contramão atrapalhando o sábado". Mas já recusei um convite da Alexandra Justino por estar stressada com a noite dos Livrozzz e achar que não ia ter tempo para nada...

Fernando - O que eu estou a pensar não mete legos mas pode ser feito a três. Queres falar à Alexandra? Não será nada que precise de muitos ensaios, eu diria, uma hora num qualquer dia depois da noite dos Livrozz, e mais uma passagem no próprio dia do clube.
Que texto é esse do Cesário Verde?

Helena - Olá Xana, sempre arranjaste alguém para alinhar contigo no tema da próxima sessão do CLeVA? Beijos, Lena.

Fernando - Alguma resposta a isto?

Helena - Ainda nada e por telemóvel (tentei ontem) também nada... estará tudo bem? terá ido de férias?

Fernando - Helloooo!

Helena - Finalmente consegui falar com a Xana ao telefone! Já estava a ficar um bocado preocupada a pensar o que lhe podia ter acontecido... mas está tudo bem. Ela vai preparar o texto com o João. Combinámos que na sessão seguinte, fosse qual fosse o tema, o preparávamos as duas. De qualquer modo ainda não consegui pensar nisto devidamente.

Fernando - Ok, não te preocupes. Pensamos nisto a partir de sábado. Eu também não sei se farei alguma coisa antes.

[Viramo-nos para a frente:]

Helena – Olá!
Tinhas perguntado pelo texto do Cesário Verde, chama-se DESASTRE e é o que vai assim...

Ele ia numa maca, em ânsias contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.
(…)

Só que estive a experimentar e é enorme! Demora quase 4 minutos, se o ler todo...

Fernando - Pois, é muito grande... mas podíamos aproveitar umas partes onde haja alguma ligação com o que eu escolhi.
É do Padre António Vieira e é assim:

(...) Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda.

Helena - Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

Fernando - Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama.

Helena - O mísero, a doença, as privações cruéis
Soubera repelir — ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Fernando - E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar. (…)

Helena - Ah! Ah! Foi para a vala imensa,
Na tumba, e sem o adeus dos rudes camaradas:
Isto porque o patrão negou-lhes a licença,
O inverno estava à porta e as obras atrasadas.
(...)

[Viramo-nos um para o outro]

Fernando – Parece-te bem?

Helena - Parece-me bem! Quando nos encontramos para preparar isto com mais jeito? Eu estava a precisar de fazer uns exercícios! Como aquele em que lemos o texto de trás para a frente...

bebedeira Alguma caísse! não Pois Morreu!?

Fernando [entra e ficamos os dois ao mesmo tempo e fade out*]

estupefacto tanto um empreiteiro ao Berrava
ligeira e hipócrita local numa vinda fato do
narração a soletrar ao antes E

atrasadas obras as e porta à estava inverno o
licença a negou-lhes patrão o porque isto
camaradas rudes dos adeus o sem tumba Na
imensa vala a para Foi Ah Ah Desgraçado? o E

*Fernando – A rran ca o es ta tu á rio u ma pe dra de ssas mon ta nhas, tos ca, bru ta, du ra, in for me; e de po is que des bas tou o mais gro sso, to ma o ma ço e o cin zel na mão e co me ça a for mar um ho mem, pri mei ro mem bro a mem bro, e de po is fei ção por fei ção, a té a mais mi ú da.

[Fim]

Ana Maria
"Palavras em Construção"


João, Xana, Vasco, Vitória
de Terry Pratchet uma encenação de "Pirâmides"


Clique nas imagens para as ampliar


























Paulo M.
de Machado de Assis in "Dom Casmurro"
Voltei-me para ela; Capitu tinha os olhos no chão. Ergueu-os logo, devagar, e ficamos a olhar um para o outro... Confissão de crianças, tu valias bem duas ou três páginas, mas quero ser poupado. Em verdade, não falamos nada; o muro falou por nós. Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se. Não marquei a hora exata daquele gesto. Devia tê-la marcado; sinto a falta de uma nota escrita naquela mesma noite, e que eu poria aqui com os erros de ortografia que trouxesse, mas não traria nenhum, tal era a diferença entre o estudante e o adolescente. Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar; tinha orgias de latim e era virgem de mulheres.
Não soltamos as mãos, nem elas se deixaram cair de cansadas ou de esquecidas. Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, e depois de vagarem ao perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro, estava assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola e a outra o Evangelho.

Este texto já pertence ao domínio público, portanto pode ser visto integralmente aqui


De seguida
a Cristina fez uma leve abordagem à Poesia Sonora

Aqui ficam algumas das ligações:

Uma tentativa de escutar a escrita – a proposta do “poema-em-música” um estudo de Annita Costa Malufe

Poema sonoro/ música poética
Entre a música e a poesia sonora: uma arte de fronteira. Um estudo de Daniel Quaranta

Los origenes de la poesia sonora de Dick Higgins Traduzido para espanhol

 John Cage about silence

Orson Welles entrevista o poeta romeno radicado em Paris Isidore Isou que apresenta o Letrismo

Aula de poesia sonora na Universidade de Coimbra

Sibila – Poesia e Cultura - revista brasileira com página sobre poesia sonora onde pode ser ouvido o cd,  "A Voz é Princesa"

Um exemplo de polipoesia:

Poesia experimental portuguesa


e acabámos a noite com um exercício:




A partir destes três poemas:

Oh as casas as casas as casas

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo
de Palavra[s] de lugar

*****************

O Lugar da Casa

Uma casa que nem fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

Eugénio de Andrade
de O sal da língua

********************

As casas

As casas vieram de noite
De manhã são casas
À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

São altamente mais dóceis
que as crianças
Dentro do estuque se fecham
pensativas

Tentam falar bem claro
no silêncio
com sua voz de telhas inclinadas

Luiza Neto Jorge
de Terra Imóvel






Oh as casas as casas as casas
Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem

As casas vieram de noite
De manhã são casas

Oh as casas as casas as casas

À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores

Oh as casas as casas as casas

Dentro do estuque se fecham
pensativas

À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Oh as casas as casas as casas

Uma casa que fosse um areal
deserto;

que nem casa fosse;

só um lugar onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria;

e aqueceu as mãos;

e partiu porque tinha um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

Oh as casas as casas as casas

Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas

Oh as casas as casas as casas

A partir de 3 poemas de Ruy Belo, Eugénio de Andrade e Luiza Neto Jorge

4 comentários:

  1. Olá! Vou enviar-vos por email 2 ficheiros .jpg com os dois painéis Sala 1 e Sala 2) do poema "Exposição", de Cesariny, que faz parte da obra "Primavera Autónoma das Estradas". O aspecto gráfico é importante e ajuda a perceber os novos rumos formais da poesia gráfica, fonética ou sonora, os ensaios de desconstrução e a fusão com as artes gráficas, a música, a performance. Além disso, sem "vermos" os textos, não percebemos uma parte dos jogos verbais e trocadilhos.
    Virgínia

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  2. Ok!
    Manda para os pormos aqui também :-)

    fernando

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  3. Olá pessoal, eu não mando o bocadinho da CASA da Cris Taquelim para irem a correr comprar o livro :)
    Mas tenho uma coisa a dizer: só há duas semanas que vou para Alcochete às terças, ainda tenho de andar com muita atenção ao caminho, mas é uma lufada de ar fresco o bocadinho que se está aí.
    Bem hajam a todos e especialmente à outra Cristina

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  4. Olá Ana
    Faz bem em não mandar o bocadinho da Casa da Taquelim porque o Malaquias está aqui muito só em casa e a precisar deste novo irmão. A ver se este fim de semana trato disso :)
    E obrigada pelas palavras carinhosas.
    Beijos
    Cristina

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