O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

CLeVA - 2ª temporada





Bem vindos ao CLeVA 2.0
As actividades normais do clube recomeçam, e damos as boas vindas a todos os novos elementos! Esperamos que se divirtam pelo menos tanto como nós nos divertimos no ano que passou.

Continuamos a sortear temas para cada sessão e vamos tentar manter a areia da ampulheta: cada leitura só pode demorar no máximo 3 minutos. Um verdadeiro desafio, só ao alcance dos que gostam mesmo muito de ler em voz alta: seduzir os outros para a leitura de um texto com tempo muito limitado!

Como a sedução depende também da surpresa, continuam as "leituras diferentes". Quem se atreve a ler "com cheiro a maresia", "como os pássaros", "em conjunto", "a fazer o pino", "em silêncio"... na próxima sessão teremos mais novidades.

Para podermos aprender rapidamente os nomes uns dos outros, este post tem fotografias de toda a gente.
As nossas desculpas a alguém que possa não ter ficado tão bem "no retrato".



[ Andante - Fernando e Cristina ]

Os textos do dia...
foram escolhidos pela Cristina, e foram trabalhados em grupo durante 5 minutos.
[ Nicole / Teresa / Laura ]
Os Direitos Inalienáveis do Leitor
Daniel Pennac

1
O Direito de Não Ler
2
O Direito de Saltar Páginas
3
O Direito de Não Acabar Um Livro
4
O Direito de Reler
5
O Direito de Ler Não Importa o Quê
6
O Direito de Amar os “Heróis” dos Romances
7
O Direito de Ler Não Importa Onde
8
O Direito de Saltar de Livro em Livro
9
O Direito de Ler em Voz Alta
10
O Direito de Não Falar do Que se Leu

[ Vitória / João / Vasco ]
Na biblioteca (excerto)
Manuel António Pina

(...) Na biblioteca, em cada livro,
em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.

[  Rosa / Helena Policarpo / Virgínia ]

Um livro
Jorge Luis Borges

Apenas uma coisa entre outras coisas
Mas também uma arma. Foi forjada
Na Inglaterra, em 1604,
E carregada com um sonho. Encerra
O som, a fúria, a noite e o escarlate.
A minha mão sopesa-a. Quem diria
Que contém o inferno: essas barbudas
Bruxas que são as parcas, os punhais
Que executam as duras leis da sombra
O delicado ar desse castelo
Que te verá morrer, a delicada
Mão que é capaz de ensanguentar os mares,
O clamor e a espada da batalha.
Esse tumulto silencioso dorme
No espaço de um só livro, na tranquila
Prateleira da estante. Dorme e espera.

[ Ana Rita / Paulo Machado / Carmen ]

A palavra mágica
Carlos Drummond de Andrade

Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não o encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

[ Paulo Correia / Alexandra Ferreira ]

Onde estará esse leitor
Carlos Queiroz

Onde estará esse leitor
Que não soletra nem recita?
Que não tropeça nas imagens
Que não ofende os nossos ritmos
Que não destrói as nossas flores?

Onde estará esse leitor,
Onde estarão esses leitores?

[ Cecília / Sylvie / Mila ]

Legado
Miguel Torga

O que eu espero, não vem.
Mas ficas tu, leitor, encarregado
De receber o sonho.
Abre-lhe os braços, como se chegasse
O teu pai, do Brasil,
A tua mãe, do céu,
O teu melhor amigo, da cadeia,
Abre-lhe os braços como se quisesses
Abarcar toda a luz que te rodeia.

Não lhe perguntes porque tardou tanto
E não chegou a tempo de me ver.
Uns têm a sina de sonhar a vida,
Outros de a colher.

[ Helena Ramos / António Gil / Mariana ]

Valor das palavras
Almada Negreiros

Há palavras que fazem bater mais depressa o coração – todas as palavras – umas mais do que outras, qualquer mais do que todas. Conforme os lugares e as posições das palavras. Segundo o lado de onde se ouvem – do lado do sol ou do lado onde não dá o sol. Cada palavra é um pedaço do universo. Um pedaço que faz falta ao universo. Todas as palavras juntas formam o universo. As palavras querem estar nos seus lugares!

[ Ana Valente / Alexandra Justino / Ana Maria Thomä]

Os meus livros
Jorge Luis Borges

Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.

[ António Soares / Fernando / Ana França ]

Como um Romance (excerto, pp. 89)
Daniel Pennac

(...)
Pois é...
O desaparecimento da leitura em voz alta é muito estranho. O que teria Dostoievski pensado disto? E Flaubert? Já não há o direito de colocar as palavras na boca antes de as meter na cabeça? Já não há ouvidos? Já não há música? Já não há saliva? As palavras já não sabem a nada? O que é que se passa? Não declamou Flaubert a sua Bovary em altos gritos, até furar os tímpanos? Não estará ele definitivamente melhor colocado do que qualquer outro para saber que a compreensão do texto passa pelo som das palavras, de onde deriva todo o seu sentido? Não saberia ele como ninguém, ele que tanto lutou contra a música intempestiva das sílabas, contra a tirania das cadências, que o sentido se pronuncia? Então? Textos mudos para puros espíritos? Rabelais, ajuda-me! Flaubert, Dosto, Kafka, Dickens, acudam-me! Gigantescos anunciadores de sentido, venham cá! Venham soprar nos nossos livros! As palavras precisam de corpo! Os nossos livros precisam de ter vida!


Exercício: leitura em conjunto

Aurora boreal
António Gedeão

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

2 comentários:

  1. Parabéns!

    Fiquei cheia de vontade de me ir intrometer numa sessão... As estratégias são bem apelativas!

    Aceitam visitas?

    Um beijinho e bom trabalho!

    Jacqueline Duarte

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  2. Olá, olá :))
    Vamos aceitar visitas em dias específicos. Depois avisamos. Nos dias normais do Clube, por norma, não há assistência. Uma das estratégias passa por aí precisamente: arranjar um "lugar" confortável para que todos se exponham sem problemas. Mas andamos a trabalhar para ver se arranjamos uns dias públicos. Beijos (espero que as suas caminhadas estejam para breve) Cristina

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