O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

2012.01.31 - Fobias

Cristina e Fernando
Fobias de Luis Fernando Verissimo
Banquete com os deuses: cinema, literatura, música e outras artes
Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo de espaços abertos), acrofobia (medo de altura) e as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até a treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto de hotel, com insónia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver se as torneiras tinham “Frio” e “Quente” escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens, seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.
Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar uma insónia: enredo fantástico, grandes personagens, romance, sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência, – e uma mensagem positiva. Recomendo “Gênesis” pelo ímpeto narrativo, “O cântico dos cânticos” pela poesia e “Isaías” e “João” pela força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.
– Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina…
– Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.
– Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
– Não é possível! O que você faz durante a noite?
– Tricô.
Uma esperança!
– Com manual?
– Não.
Danação.
– Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.
– Bem… Tem uma carta da mamãe.
– Manda!

Lena Pinto
Fobias diversas

Alexandra Ferreira
Não é o Fim do Mundo
Joan Borysenko
e ainda a diferença entre Fobia e Medo

António e Lena Policarpo
Livro do desassossego (excertos)
de Bernardo Soares
A tragédia principal da minha vida é, como todas as tragédias, uma ironia do Destino. Repugno a vida real como uma condenação; repugno o sonho como uma libertação ignóbil. Mas vivo o mais sórdido e o mais quotidiano da vida real; e vivo o mais intenso e o mais constante do sonho. Sou como um escravo que se embebeda à sesta - duas misérias em um corpo só.

Sim, vejo nitidamente, com a clareza com que os relâmpagos da razão destacam do negrume da vida os objectos próximos que no-la formam, o que há de vil, de lasso, de deixado e factício, nesta Rua dos Douradores que me é a vida inteira - este escritório sórdido até à sua medula de gente, este quarto mensalmente alugado onde nada acontece senão viver um morto, esta mercearia da esquina cujo dono conheço como gente conhece gente, estes moços da porta da taberna antiga, esta inutilidade trabalhosa de todos os dias iguais, esta repetição pegada das mesmas personagens, como um drama que consiste apenas no cenário, e o cenário estivesse às avessas…

Mas vejo também que fugir a isto seria ou dominá-lo ou repudiá-lo, e eu nem o domino, porque o não excedo adentro do real, nem o repudio, porque sonhe o que sonhe, fico sempre onde estou.

E o sonho, a vergonha de fugir para mim, a cobardia de ter como vida aquele lixo da alma que os outros têm só no sono, na figura da morte com que ressonam, na calma com que parecem vegetais progredidos!

Não poder ter um gesto nobre que não seja de portas adentro, nem um desejo inútil que não seja deveras inútil!

Definiu César toda a figura da ambição quando disse aquelas palavras: “Antes o primeiro na aldeia do que o segundo em Roma!” Eu não sou nada nem na aldeia nem em Roma nenhuma. Ao menos, o merceeiro da esquina é respeitado da Rua da Assunção até à Rua da Vitória; é o César de um quarteirão. Eu superior a ele? Em quê, se o nada não comporta superioridade, nem inferioridade, nem comparação?

É César de todo um quarteirão e as mulheres gostam dele condignamente.

E assim arrasto a fazer o que não quero, e a sonhar o que não posso ter, a minha vida, absurda como um relógio público parado.

Aquela sensibilidade ténue, mas firme, o sonho longo mas consciente que forma no seu conjunto o meu privilégio de penumbra.

Lena Ramos
Tu tens um medo
de Cecília Meireles
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.

Delfina
"O João que tinha medo de chocolates" in Histórias para ler em um minuto e 1/2
de Isabel Stilwell


Rosa
A memória do filme "Melhor é Impossível"

João
O Temor Combate-se com a Esperança in "Dos reveses"
de Séneca
Não haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se fôr mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em acção a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.
Estabelece equilíbrio, pois, entre a esperança e o temor; sempre que houver completa incerteza, inclina a balança em teu favor: crê no que te agrada. Mesmo que o temor reuna maior número de sufrágios, inclina-a sempre para o lado da esperança; deixa de afligir o coração, e figura-te, sem cessar, que a maior parte dos mortais, sem ser afectada, sem se ver seriamente ameaçada por mal algum, vive em permanente e confusa agitação. É que nenhum conserva o governo de si mesmo: deixa-se levar pelos impulsos, e não mantém o seu temor dentro de limites razoáveis. Nenhum diz:
- Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram.
Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas, fazemos certezas que nos aterrorizam. Como a justa medida não é do nosso feitio, instantaneamente uma inquietude se converte em medo.

Teresa
Alforreca e Faneca in Primeiro Livro de Poesia
de Violeta Figueiredo
Pobre de mim, tão Faneca,
Alforreca me fascina.
Sigo atrás da sua coroa,
dos seus terríveis cabelos
de gelatina e de prata:
só o vê-los me atordoa,
só o tocá-los me mata.

Alexandra Justino
O Pior Medo é o Medo de Nós Próprios in Diário de Notícias - 2003
de José Luís Peixoto

O medo é muitas vezes o muro que impede as pessoas de fazerem uma série de coisas. Claro que o medo também pode ser positivo, em certa medida ajuda a que se equilibrem alguns elementos e se tenham certas coisas em consideração, mas na maior parte dos casos é negativo, é algo que nos faz mal. (...)
O pior medo é o medo de nós próprios e a pior opressão é a auto-opressão.
Antes de se tentar lutar contra qualquer outra coisa, penso que é importante lutarmos contra ela e conquistarmos a liberdade de não termos medo de nós próprios.


Vitória
O Medo Longe de Ti (excerto)
de António Manuel Venda
Olhaste para o chão. Pareceu-me notar-te um sinal fugaz de tristeza, ou de medo, não sei. Talvez medo. Ali, a milímetros de mim, uma pequenina amostra do que era o medo. Agarrei-te o rosto, suavemente. Agarrei-o com cuidado, com mil cuidados, e deslizei os polegares pelos traços do teu sorriso. Depois empurrei-te até à porta, colado a ti, como se quisesse esconder-te de toda a gente, como se pensasse que podiam roubar-te de mim. Medo, de novo. Quis afastar essa ideia, mas de repente vi-me contigo, numa rua, à vista de toda a gente, sem que fosse preciso dar três passos para que aparecesse alguém a tentar roubar-te de mim, um pistoleiro a cavalo, um mágico apenas com umas estrelinhas de mil poderes. E eu sem saber o que fazer, sozinho, a ver-te a ser levada pelo pistoleiro, deitada de barriga para baixo, no dorso do cavalo, bem à frente dele, e ele com uma mão a segurar-te e a outra agarrada às rédeas. Como eu estava de novo com medo… Medo de te perder, mesmo abraçado a ti. Medo de não ficar contigo, mesmo sentindo as cócegas do teu cabelo no meu rosto. Sentia-me feliz, mas confuso, não tinha medo de nada, mas ao mesmo tempo tinha medo de te perder, e tu nos meus braços.


Natalina e Paulo Machado
O Sapo tem Medo
de Max Velthuijs
Um cheirinho do livro aqui

E para terminar juntámo-nos para uma brincadeira à volta do Bule de Salette Tavares

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