tema:

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.
Amor é fogo que arde sem se ver (Luis Vaz de Camões)O Fernando trouxe no seu livro uma carta escrita por outro... Pessoa
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
"Terrível bebé:E porque tão contrário a si é o Amor, a Lena R. foi buscar dois sonetos da bipolar Florbela Espanca.
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também . E é bombom, e é vespa e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijinho na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano mas é escrito por mim.
Fernando"
[Se tu viesses ver-me...]A Teresa leu um excerto de "A Bela Acordada"
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
[Tarde Demais]
Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...
Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!
Beijando a areia d'oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!
E há cem anos que eu fui nova e linda!...
E a minha boca morta grita ainda:
"Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!..."
Todas as cartas de amor sãoE porque nesta sessão a Isabel esteve na berlinda foi ainda dar uma mãozinha... (ou melhor... emprestar a voz) ao João. A versão cantada pelo Zeca Afonso está aqui.
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21/10/1935
[MOTE ALHEIO]
Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
[VOLTAS SUAS]
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.
(Luís de Camões)
[MOTE ALHEIO]
Se me levam águas,
nos olhos as levo.
[GLOSAS PRÓPRIAS]
Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
alcançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.
As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas d'amar são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força d'águas
me leva, eu as levo.
Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós m'enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.
[MOTE ALHEIO]A Virgínia homenageou o Amor à Ciência e ao Conhecimento: de António Gedeão, "Poema Para Galileu" (aqui dito pelo próprio autor)
A dor que a minh' alma sente
não na sabe toda a gente.
[VOLTAS]
Que estranho caso de amor,
que desejado tormento,
que venho a ser avarento
das dores de minha dor!
Por me não tratar pior,
se se sabe ou se se sente,
não na digo a toda a gente.
Minha dor e causa dela
de ninguém ouso fiar,
que seria aventurar
a perder-me ou a perdê-la.
E pois só com padecê-la
a minha alma está contente,
não quero que a saiba a gente.
Ande no peito escondida,
dentro n'alma sepultada;
de mim só seja chorada,
de ninguém seja sentida.
Ou me mate ou me dê vida,
ou viva triste ou contente,
não ma saiba toda a gente.
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Galileu Galilei por Justus Sustermans (Galleria Uffizi, Florença, Itália) |
Une orange sur la table
Ta robe sur le tapis
Et toi dans mon lit
Doux présent du présent
Fraîcheur de la nuit
Chaleur de ma vie
[Uma laranja sobre a mesaA Helena leu um excerto de "Combateremos a Sombra" de Lídia Jorge.
O teu vestido no tapete
E tu no meu leito
Doce presente do presente
Frescura da noite
Calor da minha vida]
Endechas a Bárbara escravaA Cecília também trouxe um Amor Diferente: o incondicional amor dos animais aos seus donos, com vários exemplos de animais heróis.
Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais fermosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E pois nela vivo,
É força que viva.
Se um Cão fosse seu Professor Você aprenderia coisas assim:A Alexandra J. conseguiu finalmente encontrar a explicação do Amor:
Quando alguém que você ama chega em casa, corra ao seu encontro.
Nunca perca uma oportunidade de ir passear de carro. Permita-se experimentar o ar fresco do vento no seu rosto.
Mostre aos outros que estão invadindo o seu território.
Tire uma sonequinha no meio do dia e espreguice antes de levantar.
Corra, pule e brinque todos os dias.
Tente se dar bem com o próximo e deixe as pessoas te tocarem.
Não morda quando um simples rosnado resolve a situação.
Em dias quentes, pare e role na grama, beba bastantes líquidos e deite debaixo da sombra de uma árvore.
Quando você estiver feliz, dance e balance todo o seu corpo.
Não importa quantas vezes o outro te magoa, não se sinta culpado… volte e faça as pazes novamente.
Aproveite o prazer de uma longa caminhada.
Se alimente com gosto e entusiasmo.
Coma só o suficiente.
Seja leal.
Nunca pretenda ser o que você não é.
Se você quer se deitar embaixo da terra, cave fundo até conseguir.
E o MAIS importante de tudo… Quando alguém estiver nervoso ou triste, fique em silêncio, fique por perto e mostre que você está ali para confortar.
(Não consegui encontrar a fonte original nem o autor)
Como explicar o AMORA Alexandra F. foi buscar o "Elogio do Amor Puro" de Miguel Esteves Cardoso.
Conta-se que uma vez, num lugar longínquo da Terra se reuniram os sentimentos, os defeitos e as qualidades dos homens.
Depois do ABORRECIMENTO bocejar e reclamar pela terceira vez, a LOUCURA, sempre tão louca, propôs-lhe:
- Vamos brincar às escondidas?
A INTRIGA levantou a sobrancelha, intrigada, e a CURIOSIDADE, sem poder conter-se, perguntou: «- Escondidas? O que é isso? Como se joga? Podemos jogar todos?»
- É um jogo - explicou a LOUCURA - em que eu fecho os olhos e começo a contar de um a um milhão enquanto vocês se escondem.Quando eu acabar de contar, vou à vossa procura e o primeiro que eu encontrar ocupará meu lugar para continuar o jogo.
O ENTUSIASMO dançou, e a EUFORIA foi atrás dele. A ALEGRIA deu tantos saltos que acabou por convencer a DÚVIDA e até mesmo a APATIA, que nunca se interessava por nada. Mas nem todos quiseram participar: a VERDADE preferiu não se esconder: para quê, se no fim todos a encontravam? A SOBERBA opinou que era um jogo muito tonto (no fundo, o que a incomodava era que a ideia não tivesse sido dela) e a COVARDIA preferiu não se arriscar.
- Um, dois, três, quatro... - começou a contar a LOUCURA.
A primeira a esconder-se foi a PRESSA, que, como sempre, caiu atrás da primeira pedra do caminho.
A FÉ subiu ao céu e a INVEJA escondeu-se atrás da sombra do TRIUNFO, que com seu próprio esforço, tinha conseguido subir até à copa da árvore mais alta.
A GENEROSIDADE quase não se conseguia esconder, pois cada local que encontrava lhe parecia bom para algum de seus amigos - se era um lago cristalino, ideal para a BELEZA; se era a copa de uma árvore, perfeito para a TIMIDEZ; se era o voo de uma borboleta, o melhor para a VOLÚPIA; se era uma rajada de vento, magnífico para a LIBERDADE. E assim, acabou por se esconder num raio de sol. O EGOÍSMO, pelo contrário, encontrou um local muito bom desde o início. Ventilado, cómodo, mas só para ele. A MENTIRA escondeu-se no fundo do oceano (mentira, na realidade, escondeu-se atrás do arco-íris), e a PAIXÃO e o DESEJO no centro dos vulcões. O ESQUECIMENTO, não me recordo onde se escondeu, mas isso não é o mais importante.
Quando a LOUCURA ia no novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e nove, o AMOR ainda não havia encontrado um local para se esconder, até que encontrou um roseiral e, carinhosamente, decidiu esconder-se entre suas flores.
- Um milhão - contou a LOUCURA. E começou à procura dos outros.
A primeira a aparecer foi a PRESSA, apenas a três passos de uma pedra. Depois, escutou-se a FÉ discutindo com Deus, no céu, sobre Zoologia. Por mero acaso, encontrou a INVEJA, e claro, deduziu onde estava o TRIUNFO. Ao EGOÍSMO, não teve nem que procurá-lo: ele saiu sozinho, disparado, do seu esconderijo, que, afinal, era um ninho de vespas. De tanto caminhar, a LOUCURA sentiu sede e, ao aproximar-se de um lago, encontrou a BELEZA. À DÚVIDA foi mais fácil ainda, pois encontrou-a sentada sobre uma cerca, sem decidir de que lado se esconder. E assim foi-os descobrindo um a um. O TALENTO entre a erva fresca; a ANGÚSTIA numa cova escura; a MENTIRA atrás do arco-íris (mentira, estava no fundo do oceano); e até o ESQUECIMENTO, que já se tinha esquecido que estava a jogar.
Apenas o AMOR não aparecia em lado nenhum!.
A LOUCURA procurou atrás de cada árvore, debaixo de cada rocha, no topo de cada montanha. Quando estava a ponto de se dar por vencida, encontrou um roseiral. Agarrou numa forquilha e começou a mexer nos ramos. No mesmo instante, ouviu-se um grande grito: os espinhos tinham ferido o AMOR nos olhos. A LOUCURA não sabia o que fazer para se desculpar: chorou, rezou, implorou, pediu perdão. Como nada disto era suficiente, teve uma ideia: seria para sempre a guia do AMOR. O AMOR aceitou.
E é assim que, desde que pela primeira vez se brincou às escondidas na Terra, o AMOR é cego e a LOUCURA anda sempre com ele.
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Não acabava, quando uma figuraO Fernando trouxe-nos D. Quixote, o cavaleiro andante (... olha... andante!) e seu escudeiro Sancho Pança. Leu um excerto do capítulo VIII (a famosa luta contra os moinhos de vento). O eBook está aqui para quem o quiser, embora a versão seja um nadinha diferente.
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo,
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou trez vezes,
Trez vezes rodou immundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»
Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer trez vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quere o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»
Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!O João leu-nos o final de "O Fim da Pobreza" de Jeffrey Sachs. Aqui uma sinopse e links para explorar um pouco mais.
Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p'ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!
Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.
Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso...
Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo.
Há homens que lutam um dia, e são bons;e... das 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas' (Tradução de Paulo Quintela)
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis
Aprende o mais simples! Pra aquelesO Paulo que trouxe "Circunavegação" de Miguel Torga
Cujo tempo chegou
Nunca é tarde de mais!
Aprende o abc, não chega, mas
Aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!
Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende, mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!
Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia.
Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
Vê c'os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
Não o sabes.
Verifica a conta:
És tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
Pergunta: Como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.
"Engrenagem"A Mariana leu "Inconfesso Desejo" de Carlos Drummond de Andrade
O dia nasce limpo e luminoso,
Mas não te iludas, homem!
A natureza já não é contigo.
Daqui a nada toca no quartel,
Apita a fábrica de meias,
Abre a mercearia,
E só então tu poderás saber
Se poderás viver,
E se chove,
E se neva,
E se o adeus da tua Eva
Te comove.
Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo
Coragem não é a ausência do medo... é enfrentar o medo!