13 de Dezembro
fará a leitura alternativa |
20 de Dezembro
(sessão pública)
(sessão pública)
fará a leitura alternativa |
Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.
fará a leitura alternativa |
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No início do século XX, um rapazinho russo foge, com a família, da revolução bolchevique e chega a Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no porão de um navio de carga. Durante a viagem de cinco semanas através do Atlântico, o futuro imigrante passou fome. Está muito frágil, esquelético, subnutrido. No cais, ao ver o seu estado, um gaúcho hospitaleiro oferece-lhe uma banana. O miúdo compreende que se trata de uma coisa de comer, embora não saiba como. Português não fala, por isso mexe no fruto esquisito, experimenta-o. «Até descobrir que a banana se descasca. Ele sabia que a laranja se descascava, porque na Rússia, nos dias de festa, costumava haver uma laranja para distribuir pela família inteira (um gomo para cada um). E ele sabia que a laranja tinha casca e caroços. Ao descascar a banana, apareceu uma coisa que ele julgou ser o caroço da banana. Deitou fora esse caroço e, para surpresa do gaúcho, comeu a casca de banana até ao fim.» Muitos anos mais tarde, o escritor brasileiro Moacyr Scliar, seu filho, que é quem fala dentro destas aspas, haveria de pegar na história e contá-la «mais de mil vezes». A última foi no encontro Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, e o desenlace voltou a despertar gargalhadas e aplausos na plateia: «Meu pai morreu com mais de 80 anos e nunca deixou de me dizer: “sabe, filho, casca de banana não é tão ruim assim como a gente pensa.”»
Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.*
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha. (*Trovas de muito amor para um amado senhor - SP: Anhambi, 1959)
Eu tropecei agora numa casca de banana.
Numa casca de banana!
Numa casca de banana eu tropecei agora,
Caí para trás desamparadamente,
E rasguei os fundilhos das calças!
Numa casca de banana eu tropecei agora.
Numa casca de banana!
Eu tropecei agora numa casca de banana!
Olhou para o mar. “Sybil,” disse, “vou-te dizer o que é que vamos fazer. Vamos ver se conseguimos apanhar um peixe banana.”
“Um quê?”
“Um peixe banana,” disse, desatando o cinto e tirando o roupão. ... Baixou-se, apanhou a bóia e colocou-a debaixo do braço direito. Depois, com a mão esquerda, agarrou a mão de Sybil, e começaram a andar em direcção ao mar.
“Imagino que já deves ter visto muitos peixes banana,” disse o jovem. Sybil abanou com a cabeça. “Não viste? Mas onde é que tu vives?” “Não sei,” disse Sybil.
“Sabes, sim. Tens que saber. A Sharon Lipschutz sabe onde vive e só tem três anos e meio.”
Sybil parou de andar e largou a mão dele. Apanhou uma concha e olhou-a com uma atenção estudada. Depois deitou-a fora. “Whirly Wood, Connecticut,” disse, e recomeçou a andar, com o corpo arqueado e o estômago saliente.
“Whirly Wood, Connecticut,” disse o jovem.
…
Avançaram até a água chegar à cintura de Sybil. Então o jovem pegou nela e deitou-a com o estômago sobre a bóia.
“Não me largue,” sentenciou Sybil. “Segure-me, agora.”
“Menina Carpenter, por favor, eu conheço o meu ofício,” disse o jovem. “Tens que manter os olhos abertos para ver se descobres algum peixe banana. Este é um dia perfeito para os peixes banana.”
“Não vejo nenhum,” disse Sybil.
“É natural. Eles têm hábitos muito especiais. Muito especiais.” Continuou a empurrar a bóia. A água ainda não lhe tinha chegado ao peito.
“Têm uma vida muito trágica,” disse. “Sabes o que é que eles fazem, Sybil?”
Ela abanou a cabeça.
“Bem, eles nadam para um buraco onde há imensas bananas. Parecem peixes absolutamente vulgares quando nadam para dentro do buraco. Mas uma vez lá dentro, portam-se como autênticos porcos. Conheci alguns peixes banana que nadaram para o buraco e comeram setenta e oito bananas.”
Empurrou um pouco mais a bóia e a sua passageira em direcção ao horizonte.
“Claro que depois disso ficam tão gordos que não conseguem voltar a sair do buraco. Não cabem na porta.”
“Não empurre para muito longe,” disse Sybil. “O que é que lhes acontece?”
“O que é que acontece a quem?”
“Aos peixes banana.”
“O que é que acontece depois de os peixes comerem tantas bananas que não conseguem sair do buraco das bananas?”
“Sim,” disse Sybil.
“Bem, lamento dizer-te, Sybil. Morrem.”
“Porquê?” perguntou Sybil.
“Bem, apanham a febre da banana. É uma doença terrível.”
“Vem aí uma onda,” disse Sybil, com medo.
“Aquela ondazita? Vais ver que nem damos por ela,” disse o jovem. Pegou nos tornozelos de Sybil e empurrou-os para baixo e para a frente. A bóia flutuou na crista da onda. A água ensopou o cabelo loiro de Sybil, mas o grito que soltou era de prazer.
Com a mão, já de novo em cima da bóia, retirou uma madeixa de cabelo da frente dos olhos, e gritou, “Acabei de ver um.”
“Viste o quê, querida?”
“Um peixe banana.”
“Meu Deus, não me digas!” disse o jovem. “E ele tinha bananas na boca?”
“Sim,” disse Sybil. “Seis.”
De fruta é tua textura
e assim concreta;
textura densa que a luz
não atravessa.
Sem transparência:
não de água clara, porém
de mel, intensa.
Intensa é tua textura
porém não cega;
sim de coisa que tem luz
própria, interna.
E tens idêntica
carnação de mel de cana
e luz morena.
Luminosos cristais
possuis internos
iguais aos do ar que o verão
usa em setembro.
E há em tua pele
o sol das frutas que o verão
traz no Nordeste.
1.
O sangue matinal das framboesas
escolhe a brancura do linho para amar.
2.
A manhã cheia de brilhos e doçura
debruça o rosto puro na maçã.
3.
Na laranja o sol e a lua
dormem de mãos dadas.
4.
Cada bago de uva sabe de cor
o nome dos dias todos do verão.
5.
Nas romãs eu amo
o repouso no coração do lume.
De há muitos anos que o comércio ambulante vegeta, não
prospera, em torno dos hospitais. Sua base é a banana. Quem tem
doente, alimenta-o, mas poupa-lhe o dente. Banana é substancial,
embora digam que é quente. Banana é prática, apodrece devagar e,
mesmo macerada, come-se bem. Até há quem a prefira já muito
passada.
Banana é gentileza de pobre. Seu preço, ainda assim, é
acessível. E não se diz que uma banana vale um bife? Depois, não
precisa de garfo, de faca, não deixa nódoa, come-se em duas
trincadelas. Gengivas já muito recolhidas papam-na facilmente.
Banana pode ser subtraída, num ápice, à vigilância
dietética de clínicos e enfermeiros. Cabe num chinelo, não faz
grande enchumaço no bolso de um pijama. O que é preciso é a
gente lembrar-se de que tem banana escondida e não a esborrachar
com o pé ou com uma volta de corpo desastrada. Em caso de grande
aflição pode passar-se a banana ao vizinho. Ora! Nem tantos
cuidados serão precisos. Banana é geralmente tolerada. É dedo
gordo, mão de gordo, vagarosa e cordial. Faz lembrar piloca! Se
faz, então a enfermeira troca chalaças e ri sofridamente.
o que é verde por fora e amarelo por dentro?
resposta: ouıdǝd ǝp ɐpɐɹɐɔsɐɯ ɐuɐuɐq ɐɯn
Baila tudo minha gente
no baile do Bê-á-bá
com bengala ou sem bengala
só não baila quem não está.
Bailam bichos barrigudos
burriés e babuínos
baila a burra mais o burro
baila o Jacaré Balbino.
Baila a saia na bainha
baila a pulga na balança
baila a bola na baliza
baila Braga e mais Bragança.
Baila tudo minha gente
no baile do Bê-á-bá
com bengala ou sem bengala
só não baila quem não está.
Baila o bife com batatas
Baila a brasa na braseira
Baila o banco na bancada
E o banhista na banheira
Baila a barba do barbudo
e o bigode do bichano
baila a bruxa e mais o bruxo
Dona Bela e Dom Beltrano
Baila tudo minha gente
no baile do Bê-á-bá
com bengala ou sem bengala
só não baila quem não está.
E agora remato eu:
Com tanto baile bailado
e tanto para bailar
fica a barriga a dar horas
e as pernas a bambear
Agarro já numa cana
ou descanso no baloiço
e já nem a música oiço
a comer uma banana.
Conta... diz par'onde vou.
D'onde vim e, quem sou eu.
Por que vim? Quem me criou?
E o meu espelho respondeu:
Que de África me apeei
e, que África concebeu,
a forma em que me tornei.
Mais adiantou o meu espelho:
Par'onde vais? Não agoiro!
Talvez vás morrer de velho,
se o mundo não der o estoiro.
Livro aberto, 'inda contou:
Que p'rá África chegar,
algo em mim se transformou,
pois minha mãe fora o mar.
P´ra conclusão rematou,
haver na Bíblia a versão:
Fora Javé quem forjou,
do barro inventar Adão.
Não encontrando respostas,
respostas p'ra elucidar,
ao espelho vou virar costas,
e não mais lhas procurar.
No princípio - enfim, quase - Deus criou o céu e a terra.
A terra era informe e vazia, as trevas cobriam a face dos abismos e o espírito de Deus planava por sobre as águas.
Não era um sucesso.
Deus viu isso. E disse para o Seu coração: “Pf!”
Era bem melhor que esta porcaria nunca tivesse existido.
Mas isso já ele não podia fazer.
A partir do momento em que tudo já existiu uma vez, Deus podia, se quisesse, voltar a mandar tudo para o nada, mas Ele não podia fazer com que tudo isto nunca tivesse existido.
Isso, nem mesmo Deus o podia fazer.
Porque ninguém pode suprimir o passado, nem mesmo Deus.
Deus viu, então, que já não era tão todo-poderoso, a partir do momento em que tinha criado pela primeira vez.
Deus compreendeu, talvez um pouco tarde, que a ideia da criação era uma armadilha para Deus.
Se Ele o tivesse sabido teria ficado quieto.
Mas depois, disse para Si próprio que, uma vez que estava feito, o melhor era aceitar o Seu próprio trabalho.
Uma vez que o mundo está feito o melhor é engoli-lo.
E Deus decidiu que apresentaria sempre o aspecto de ser tão todo-poderoso como antes e fez muito bem.
Porque, nunca, ninguém se apercebeu de nada.
Excepto os descrentes e os maledicentes, mas esses são uma gota de água no oceano.
Deus disse: «Faça-se luz e a luz fez-se.
Deus viu que a luz era boa e rejubilou-Se no Seu coração.
Era uma sorte. Ela poderia igualmente ter sido má. Vocês sabem como é, quando se cria qualquer coisa, às vezes sai bem, às vezes sai mal. Às vezes sai compensador, às vezes não vale o trabalho.
Nunca se pode saber antecipadamente.
Deus disse para consigo que, se ele tivesse sabido, teria começado por criar a luz.
O que prova que ele ainda tinha muito que aprender.
Deus viu que a luz era boa, e Ele separou a luz das trevas.
Deus viu que as trevas eram completamente negras. Sentiu-se um pouco decepcionado porque tinha esperado, no Seu coração, que elas fossem vermelhas.
Ou talvez verdes.
Ou talvez lilases com pontinhos cor-de-laranja, o que seria mais bonito.
Foi por isso que Ele lhes chamou "trevas", o que quer dizer, em hebraico, "lilases com bolinhas cor-de-laranja".
Porque nesse tempo Deus falava hebraico.
Então, Deus deu à luz o nome de “Dia” e às trevas o nome de "Noite", o que quer dizer a mesma coisa em português.
Deus disse “Bom dia, Dia! Bom dia, Noite!”
Mas nem o Dia nem a Noite lhe responderam “Bom dia, Deus!"
O Dia e a Noite começaram a correr um atrás do outro, à volta, sem se preocuparem com Ele.
Deus viu que essas criaturas ainda não eram os pequenos companheiros de brincadeiras com que sonhava.
Houve um anoitecer, houve um amanhecer, e foi o primeiro dia.
Deus deu ao firmamento o nome de Céu, que quer dizer a mesma coisa.
Deus criou o número dois porque tinha necessidade dele para contar os dias que já tinham passado. Era uma ideia muito boa. Deus aproveitou e criou o suspiro de satisfação.
Deus disse: "Que as águas que estão debaixo do Céu se juntem num só lugar e que apareça a terra firme”
Deus deu à terra o nome de "Terra" e chamou às águas “Mar”. E Ele viu que era bom, embora fosse um pouco lamacento nas bordas.
Deus disse: “Que a terra lance o seu jorro: ervas com semente, e legumes, e árvores de fruto com frutos de acordo com as suas espécies, que tenham semente nelas próprias sobre a terra. Ah, e depois um pequeno raminho de salsa e um dentezinho de alho para ajudar a encorpar." E assim foi feito.
Há uma noite e há uma manhã, é o terceiro dia.
Deus disse: “Que haja luminárias na extensão dos céus para separar o dia da noite."
Deus fez, então, duas grandes luminárias, a maior para iluminar durante o dia e a mais pequena para iluminar durante a noite. Deste modo, Deus criou as luminárias no quarto dia.
Embora já houvesse a luz, uma vez que Ele a criou durante o primeiro dia.
Então, deste modo, durante dois dias houve luz diurna e o Sol não existia.
O que prova que Deus é um Deus muito forte.
Embora seja um pouco trapalhão.
Houve um anoitecer, houve um amanhecer e foi o quarto dia.
Deus disse: “Que as águas produzam em abundância animais que nadem e que os pássaros voem na imensidão do céu." Assim se fez.
Houve um anoitecer, houve um amanhecer e foi o quinto dia.
Como o tempo passa depressa!
Deus disse: “Que a terra produza animais vivos segundo as suas espécies”. E assim foi feito.
Depois Deus disse: “Façamos o homem à Nossa imagem e à Nossa semelhança."
E Deus criou o homem à Sua imagem.
Agora é-nos muito fácil saber como Deus é feito: basta-nos olharmo-nos num espelho.
Tal somos nós, tal é Deus. Parecido.
Mas um pouco maior, naturalmente.
Muito, muito maior.
Deus tem dois braços, duas pernas e uma só cabeça.
Deus não tem cauda.
Deus não tem tromba.
Deus não tem barbatanas. Deus possui um tubo digestivo realmente semelhante ao do homem, mas muito maior.
Deus disse: “Façamos o homem à Nossa imagem. "Ele não disse: “Façamos a mulher à Nossa imagem”. Ora, o homem e a mulher apresentam grandes diferenças. Portanto, Deus não é uma mulher, Deus é do sexo masculino.
Mas muito maior, naturalmente.
Deus olhou para o tudo o que tinha feito e disse de Si para Si que não tinha sido nada mau atendendo a que era a primeira vez.
Houve um anoitecer, houve um amanhecer, e foi o sexto dia.
No sétimo dia, Deus descansou.
abílio dias @ olhares |
Outeiro, Monsaraz, 31 de Maio de 1986
Somos prisioneiros de guerra. Os nossos sonhos foram medicados. Não pertencemos a lugar nenhum. Velejamos sem âncora por mares revoltos. Podemos nunca ter licença para aportar. As nossas dores nunca serão suficientemente tristes. As nossas alegrias nunca suficientemente felizes. Os nossos sonhos nunca suficientemente grandes. As nossas vidas nunca suficientemente importantes. Para importarem.
Vamos imaginar que a terra - 4600 milhões de anos de idade – era uma mulher de 46 anos. A Mulher Terra. Toda a sua vida de Mulher-Terra foi dedicada a fazer da terra o que ela é hoje. Dividiu os Oceanos. Fez as montanhas emergir. A Mulher-Terra tinha 11 anos quando surgiram os primeiros organismos unicelulares. Os primeiros animais, criaturas como os vermes e as acalefas, só surgiram quando ela tinha 40 anos. E tinha mais de 45 anos – só há 8 meses – quando os dinossauros deambulavam pela Terra. Toda a civilização humana tal como a conhecemos, começou apenas há duas horas na vida da Mulher-Terra. Portanto, toda a história contemporânea, as guerras mundiais, a guerra dos sonhos, o homem na lua, a ciência, a literatura, a filosofia, a busca do conhecimento, mais não são do que uma piscadela de olho da Mulher-Terra. E nós, tudo o que somos e seremos, é um lampejo nos seus olhos.
Mais tarde, à luz de tudo o que aconteceu, lampejo parecia uma palavra completamente errada para descrever a expressão nos olhos da Mulher-Terra. Lampejo era uma palavra com rebordos ondulantes e felizes.
O período entre o aparecimento da espécie humana e a criação da escrita, é vulgarmente chamado de pré-história.
Viviam em comunidades que, consoante a época ou o lugar, alternavam entre matriarcados e patriarcados, até estabilizarem em patriarcados. A maior força do macho foi determinante. A descoberta do fogo terá sido o elemento decisivo para o desenvolvimento do conhecimento e da evolução técnica.
Entretanto, a lei do mais forte levou ao aparecimento da
propriedade privada dos meios de produção, bem como à escravatura, o que permitiu a acumulação primitiva. Mas para que tudo isso funcionasse sem problemas, foi necessário criar a
religião, o que terá sido a maior invenção do ser humano. Com um Deus a proteger o proprietário de terras, rebanhos e casas,
só faltava a transmissão desses bens, o que foi conseguido através da família, em que o poder passava para o filho mais velho - macho, de preferência.
Estava criado um paradigma, que ultrapassou a criação da escrita e se manteve até hoje, resistindo á descoberta da máquina a vapor, do tear mecânico, da electricidade, do telégrafo, do telefone, da telefonia, da televisão, do computador, do telemóvel, do disco compacto, do DVD, da Internet, dos robots.
Até quando?
O Urogalo vive solitário e livre
entoa um canto triste de que vive
e morre se não canta mas se canta
atrai o caçador que lhe dá a morte
É ave vive sobre a morte e cai quando o seu canto
lhe aviva a vida que lhe causa a morte
Não sei que ave é o Urogalo
e se o vi só o vi numa fotografia vista
na contracapa de uma certa revista
Só sei que vive solitário e livre
e sei que a solidão e a liberdade
são condição de vida para quem
quer erger a cabeça sobe a morte viva ou morte morta
O Urogalo canta solitário e triste
resiste à morte apenas porque canta
o canto é perigoso pode ouvi-lo o caçador
mas porque canta leva a cabeça erguida
e apenas o perigo dá sentido à vida
Virá o caçador acabará o canto
mas sente-se viver e não importa a morte
a quem ameaçado ameaça no entanto
porque o canto mortífero dá vida
O urogalo vive solitário e livre
e a solidão e a liberdade condição de vida
podem custar a vida àquele que vive
Mas isso não importa importa só
precisamente isso e nada mais que isso
que seja soltário e seja livre e assim viva
a vida de quem vive não de quem vegeta
e que o seu coração seja capaz da solidão
e que levante o canto em liberdade
e que ao cantar a solidão seja cidade.
Estória é um neologismo proposto por João Ribeiro (membro da Academia Brasileira de Letras) em 1919, para designar, no campo do folclore, a narrativa popular, o conto tradicional (...)
Pré-história corresponde ao período da história que antecede a invenção da escrita (evento que marca o começo dos tempos históricos registados) que ocorreu aproximadamente em 4000 AC
Préstória é?... é melhor tentar descobrir usando um raciocínio lógico-dedutivo
se estória é narrativa popular ou conto tradicional
e pré-história é período da história que antecede a utilização da escrita
então préstória seria o período que antecede a utilização da escrita para transmissão da narrativa popular e contos tradicionais
então as préstórias são as estórias contadas por quem as aprendeu por via oral e as transmitiu pelo mesmo meio sem saber usar a escrita
então a minha avó analfabeta contou-me muitas préstórias
então a minha outra avó leu-me algumas estórias
então sempre gostei mais das préstórias que das estórias!
ops! este raciocínio já deixou de ser "lógico", tornou-se mais num raciocínio emocional-dedutivo, mas foi um ótimo pretexto para recordar as minhas queridas avós: Helena e Amélia.
SÁBADO – Tenho quase um dia inteiro de idade. Cheguei ontem.
Sinto-me como uma EXPERIÊNCIA. Penso que seria quase impossível uma pessoa sentir-se tanto uma EXPERIÊNCIA como eu me sinto e, por isso, começo a convencer-me que é isso que SOU. Então, se sou uma EXPERIÊNCIA, serei o seu todo? Não, penso que não. Penso que vi outra EXPERIÊNCIA. Segui-a, ontem à tarde, a alguma distância, tentando perceber para o que AQUILO serviria, mas não fui capaz. Primeiro tive medo e fugia cada vez que AQUILO se virava para trás, porque pensei que me iria perseguir. Mas aos poucos fui percebendo que só estava a tentar fugir de mim e depois disto já não me senti envergonhada e resolvi segui-lo durante horas, a uma distância de vinte metros, o que o deixou nervoso e infeliz. Por fim, já estava tão preocupado que subiu a uma árvore e já não desceu. Esperei tanto que desisti e fui para casa.
Hoje, a cena repetiu-se. Fiz com que subisse à árvore outra vez. Penso que é um HOMEM. Nunca vi um Homem, mas parecia um e tenho a certeza que é. Percebi que sinto mais curiosidade acerca Daquilo do que de qualquer outro réptil. Penso que é mesmo um réptil porque tem cabelos sujos, desgrenhados, olhos azuis e parece um réptil.
O HOMEM tem maus instintos e não é simpático. Quando lá fui ontem ao luar, tinha-se arrastado até ao chão e estava a tentar apanhar os pequenos peixes manchados que brincavam no lago. Tive que lhe atirar terra para o fazer subir à árvore outra vez e deixar os peixes em paz
Será que é para isto que AQUILO serve?
Um dos bocados de terra que lhe atirei acertou-lhe atrás da orelha e AQUILO disse qualquer coisa. Estremeci, porque foi a primeira vez que ouvi outras palavras para além das minhas.
Quando descobri que falava senti um novo interesse NAQUILO, porque adoro falar. Falo todo dia e durante o sono também e sou muito interessante. Mas se tivesse alguém com que falar, seria duas vezes mais interessante e poderia nunca mais me calar, se quisesse.
Se este réptil é um HOMEM, então não pode ser um AQUILO, pois não? Gramaticalmente não estaria correcto, pois não? Penso que é um ELE.
DOMINGO DA SEMANA SEGUINTE – Durante toda a semana, fiz-lhe uma marcação cerrada para me dar a conhecer. Tive de ser eu a meter conversa porque ele é tímido, mas não me importo. Ele pareceu-me agradado por me ter por perto e eu usei um sociável “NÓS” porque parecia que ele se sentia lisonjeado por estar incluído.
ADÃO
SEGUNDA-FEIRA - Esta nova criatura com o cabelo comprido é intrometida. Está sempre à minha volta e a perseguir-me. Não gosto disto. Não estou habituado a ter companhia. Gostava que “aquilo” ficasse junto dos outros animais… Está nublado hoje, o vento está de este, creio que nós teremos chuva... “Nós”? Onde fui buscar esta palavra – A nova criatura usa-a.
SÁBADO - A nova criatura come demasiada fruta. Estou quase certo que vamos ficar à rasca. “Nós” outra vez- é a palavra que “Aquilo” usa. Bem, também é minha, uso-a de tanto ouvi-la. Está bastante nevoeiro esta manhã. Eu não saio sozinho quando está nevoeiro. Mas a nova criatura sai. Aquilo sai com qualquer tempo e depois regressa com os pés todos enlameados. E fala! Era tão agradável quando isto era silencioso.
EVA
QUARTA-FEIRA – Damo-nos cada vez melhor. Ele já não tenta evitar-me. Durante os últimos dois dias, tenho assumido o trabalho de dar nomes às coisas, o que tem sido um grande alívio para ele, porque não tem esse dom e por isso está agradecido. Quando uma nova criatura aparece, eu dou-lhe nome antes que ele se exponha a um estranho silêncio. Quando o Frango apareceu ele pensou que seria um gato selvagem. Vi isso nos olhos dele.
ADÃO
QUARTA-FEIRA - Não tenho qualquer hipótese de fazer o que quer que seja sozinho. A nova criatura dá nome a tudo o que aparece, antes que eu possa ter qualquer forma de protesto. E usa sempre o mesmo pretexto – É tal e qual! Por exemplo o “Frango”: “Frango! Aquilo não parece mais um “Frango” que eu.
EVA
QUINTA-FEIRA – A minha primeira desilusão. Ontem ele evitou-me e pareceu desejar que eu não falasse com ele. Mas quando a noite caiu não consegui suportar a solidão e fui para o novo abrigo que ele tinha construído, para lhe perguntar o que é que eu tinha feito, mas ele pôs-me fora à chuva.
ADÃO
QUARTA-FEIRA - Construí um abrigo para a chuva, mas não o consegui ter só para mim, em paz e sossego. A nova criatura invadiu-o. Quando a tentei afugentar, começou a verter água pelos buracos que usa para ver, afastando a água com as costas das suas patas ao mesmo tempo que fazia um som, como fazem os animais quando estão em agonia. Quem me dera que não falasse. Está sempre a falar. A minha vida já não é tão feliz quanto era. Talvez deva lembrar-me que ela é muito nova, uma mera rapariga e por isso, deveria ser mais tolerante. Ela é: interesse, vontade, vivacidade. O mundo, para ela é um encanto, uma maravilha, um mistério, uma alegria. E ela é louca por cores: pedras castanhas, areia amarela, musgo cinzento, folhagem verde e céu azul. Nada a satisfaz senão a demonstração. Teorias por testar não são o seu forte e ela nem quer ouvir falar nelas. Na verdade o seu espírito está certo, admito. Mas, se ela, pelo menos, se pudesse manter calada uns minutos, seria um esplendor. Se assim fosse, eu regalar-me-ia a olhar para ela.
EVA
SEGUNDA-FEIRA - Tentei apanhar-lhe umas maçãs, mas não consegui acertar-lhes. As maçãs são proibidas e ele diz que me colocarei em perigo. Mas se eu me puser em perigo para lhe agradar, porque é que me hei-de preocupar? Esta manhã eu disse-lhe o meu nome, com esperança que ele se interessasse. Mas não o demonstrou. O que é estranho. Se ele me dissesse o seu nome eu quereria saber. Ele fala muito pouco. Provavelmente por não ser brilhante, saber disso e tentar escondê-lo. É uma pena que ele sinta isso porque o importante não é a inteligência mas sim os valores do coração.
ADÃO
SEGUNDA-FEIRA - A nova criatura diz que se chama Eva. Tudo bem, não tenho qualquer objecção. Diz que não é “Aquilo” mas sim “Ela”. Tenho algumas dúvidas, no entanto ela é uma coisa como outra qualquer. Pensando bem, ela não seria nada para mim se andasse sozinha e não falasse.
EVA
SÁBADO – TERÇA – QUARTA – QUINTA – e hoje. Todos estes dias sem o ver. É muito tempo para se estar só, ainda assim é melhor estar só do que não ser desejada. Tenho de ter companhia – Fui feita para isso, penso eu –fiz amizade com os animais.
ADÃO
TERÇA-FEIRA — Ela, agora dá-se com uma serpente. Os outros animais estão contentes pois ela estava sempre a experimentar com eles e a incomodá-los. Também estou contente, afinal a serpente fala e isso permite-me descansar um pouco.
SEXTA-FEIRA —Ela diz que a serpente a aconselhou a provar a fruta da árvore e diz que o resultado será uma educação muito fina e nobre. Eu disse-lhe que haveria outro resultado, a morte seria introduzida no mundo. Aconselhei-a a manter-se longe da árvore. Ela disse que não o faria e prevejo sarilhos. Acho que vou emigrar.
EVA
Aprendi inúmeras coisas, e agora sou instruída, mas ao princípio não era. Era ignorante. Ao princípio não consegui perceber para o que é que tinha sido criada, mas agora penso que é para procurar os segredos deste mundo maravilhoso, ser feliz e agradecer ao Criador que elaborou isto. Acho que ainda há muitas coisas para aprender. Assim o espero, e sem andar demasiado depressa, penso que irá durar muitas semanas.
ADÃO
SÁBADO — Dei uma escapadela na Terça à noite. Viajei durante dois dias e construí outro abrigo num local ermo. Apaguei o meu rasto o melhor que pude. Mesmo assim, ela caçou-me. Fui obrigado a voltar com ela, mas assim que tiver oportunidade, voltarei a emigrar.
DOMINGO — Safei-me.
SEGUNDA-FEIRA —Julgo ter percebido para que serve a semana. É para me recompor do desgaste do Domingo.
TERÇA-FEIRA — Ela diz que foi feita de uma costela minha. É no mínimo duvidoso! Não me falta costela nenhuma.
DOMINGO — Safei-me.
SEGUNDA-FEIRA - Ontem à noite, dei outra escapadela. Montei um cavalo e fugi pela noite fora, o mais depressa que o animal podia, na esperança de me afastar o suficiente do Parque e esconder-me noutro campo, antes que os sarilhos começassem. Não tive sorte nenhuma. Uma hora após o amanhecer, num ápice a planície estava num reboliço e cada animal destruía o seu vizinho. Eu sabia o significado disto. A Eva havia comido a fruta e a morte acabara de vir ao mundo... Encontrei um lugar fora do Parque onde me instalei razoavelmente por uns dias, mas ela encontrou-me outra vez. Encontrou-me e chamou logo àquele lugar Tonawanda—disse “É tal e qual. Na verdade, não me importei que tivesse vindo: a comida aqui não abunda e ela trouxe aquelas maçãs. Estou agradecido pelas maçãs. Tinha tanta fome. Foi contra os meus princípios, mas percebi que princípios têm pouco valor perante tanta fome... Acho-a uma boa companhia. Além disso, ela diz que devemos trabalhar para a nossa vida em comum daqui para a frente. Creio que ela será útil. No entanto terei de a supervisionar.
DEZ DIAS DEPOIS — Ela acusa-me de ser a causa do nosso desastre!
EVA
DEPOIS DA QUEDA - Quando olho para trás, o jardim parece-me um sonho. Era lindo, arrebatadoramente lindo, encantadoramente lindo e agora está perdido e não o voltarei a ver. O Jardim está perdido, mas encontrei-o a ELE e estou satisfeita. Ele ama-me à sua maneira e eu a ele, com toda a minha natureza apaixonada. Eu não gosto de o ouvir cantar, por enquanto. Porém, peço-lhe que cante porque gostaria de descobrir todas as coisas pelas quais ele se interessa. Tenho a certeza que posso vir a descobrir, porque antes não conseguia suportar ouvi-lo cantar e agora consigo. Põe-me os cabelos em pé, mas não importa, consigo usar esse penteado. Não é por causa da sua inteligência que o amo, definitivamente não. Ele não tem culpa, foi Deus que o fez assim e isso basta-me. Mas nisso havia um sábio propósito, ISSO eu sei. Com o tempo irá revelar-se, apesar de achar que não vai ser em breve. Penso que o amo apenas porque é MEU e é HOMEM. Acho que não há outra razão.
QUARENTA ANOS DEPOIS - São as minhas preces e é meu desejo que passemos para além desta vida juntos – uma prece que terá o meu nome e nunca desaparecerá da terra e existirá sempre no coração de cada mulher que ame até ao fim dos tempos. Mas se um de nós tem que ir primeiro, rezo para que seja eu, porque ele é forte e eu sou frágil, não sou tão necessária para ele como ele é para mim: a vida sem ele não seria vida: como poderia eu resistir? Esta oração é eterna e não cessará enquanto houver mulheres. Eu sou EVA; a primeira MULHER e até à última serei replicada.
ADÃO
NA CAMPA DE EVA - Por onde ela passou, existiu Éden.
Desejas
Um tapete mágico que, num abrir e fechar de olhos, te leve aos confins da terra?
Uma máquina de viajar no tempo, para o futuro a haver, desconhecido, para o passado histórico ou para aquele em que os animais falavam?
Companheiros para correrem contigo a aventura de mares ignorados e de ilhas que os mapas não registam?
Conhecer mundos para além do nosso sistema solar, a anos-luz da nossa galáxia, sem necessidade de foguetão?
Saber a idade de uma pedra ou os mistérios da realidade, das águas, dos bichos, dos pássaros e das estrelas?
Descobrir a arca encantada, onde se guardam os vestidos “cor do tempo” das princesas de era uma vez, aquelas que se transformavam em pombas ou dormiam em caixões de cristal, à espera que o príncipe viesse despertá-las?
Desfolhar as pétalas do sonho no país da noite?
Abre um livro.
Um livro é tudo isso de cada vez e, às vezes, ao mesmo tempo.
Um livro permite-nos contactar com outras imaginações, outras sensibilidades. É a possibilidade de estares noutros lugares, sem abandonares o teu chão, de ouvires pulsar outros corações, de vestires a pele humana de outro ou outro sem deixares de ser tu.
E com o livro a varinha de condão não está na mão das fadas, está em teu poder. É do teu olhar, de cada vez que te dispões a ler, que nascem aqueles mundos, caleidoscópicos, de maravilha – e só desaparecem quando fechas o livro.
Mas a um gesto do teu querer, voltarão a surgir sempre
Sempre
Sempre…
Quando se abandona o ego, abandona-se todo um mundo que se criou em redor dele. Pela primeira vez, consegue-se ver as coisas como elas são, não como gostaríamos que elas fossem