O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

próxima sessão | 9 dezembro

será o tema

apresentará o livro do dia

Escolhas



a Cristina foi de novo ao livro de Rodolfo Castro
"A intuição leitora, a intenção narrativa"


a Virgínia, a Ana e a Margarida leram excertos de
"As horas" de Michael Cunningham e
"Mrs. Dalloway" de Virginia Woolf


a Maria, o Luís e a Ilda leram de Luísa Ducla Soares
Sim ou não?

Sim, não,
 sim, não...
Ou fico com fome
ou como feijão.

Sim, não,
 sim, não. ..
Ou visto pijama
ou ponho calção.

Sim, não,
sim, não...
Ou subo ao pinheiro
ou brinco no chão.

Sim, não,
sim, não...
Ou vou ao cinema
ou leio a lição.

Sim, não,
sim, não...
Ou sou um porquinho
ou uso sabão.

Sim, não,
sim, não...
O que hei-de fazer?
Mas que indecisão!

de "Poemas da Mentira e da Verdade"


a Alexandra e as Gabrielas leram um excerto de
"A inteligência da alma" de José María Doria


a Maria João leu "Teus filhos não são teus filhos" de Khalil Gibran


o Bruno leu um excerto de "As lições do Tonecas" de José de Oliveira Cosme


a Teresa leu de Cecília Meireles
Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo

de "Ou isto ou aquilo"


o Renato leu um excerto de "O Rei Lear" de William Shakespeare


a Teresa leu de Al-Mu'tamid
felizes aves
nunca se apartaram do bando,
não sentem a ausência da família,
nem passam a noite,
como eu, de coração inquieto
ao ranger da porta da cela
ou ao chiar do ferrolho.
tais sobressaltos não são apenas meus,
fazem parte da humana condição.
desejo vivamente só a morte.
outro, quem sabe, se sujeitaria
à vida com grilhetas, mas eu não!
Alá, proteja os cortiçóis
e também as suas crias
pois às minhas, desventuradamente,
abandonaram-nas água e sombra.

de "O meu coração é Árabe"
Organização e tradução de Adalberto Alves


a Ana, a Cristina e a Luísa leram de "Farsa de Inês Pereira" de Gil Vicente



a Gabriela trouxe-nos "Tratado de história das religiões" de Mircea Eliade

À barca! - 1º ensaio

no dia 24 de Janeiro de 2015 o CLeVA vai participar do espectáculo "À barca!", no âmbito das comemorações dos 500 anos da atribuição do Foral a Alcochete e Aldeia Galega.


Hoje foi o primeiro dia de ensaios. Correu bem :)

próxima sessão | 25 novembro

será o tema
ATENÇÃO: de preferência as leituras deverão ser preparadas em grupo

será responsável pelo livro do dia

metamorfose - sessão pública


a primeira sessão aberta do cleva 5 foi um sucesso

a Cristina começou por nos ler um pouco de
"Uma história da leitura"

(...) quando eu tinha nove ou dez anos, o diretor da minha escola me disse que ouvir alguém ler para você era apropriado apenas para crianças pequenas. Acreditei nele e abandonei a prática – em parte porque ela me dava grande prazer, e àquela altura eu estava pronto a acreditar que qualquer coisa que desse prazer era de algum modo perniciosa. Somente muito mais tarde, quando a pessoa amada e eu decidimos ler um para o outro, durante um verão, A lenda dourada, foi que recuperei a delícia havia muito esquecida de ter alguém lendo para mim. Não sabia então que a arte de ler em voz alta tinha uma história longa e itinerante e que mais de um século antes, na Cuba espanhola, ela se estabelecera como uma instituição dentro dos limites rígidos da economia cubana. (...)

o excerto aqui apresentado é da versão brasileira traduzido por Pedro Maia Soares

de seguida "brincámos"  todos com o

Poema Pial

Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM,
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!

Fernando Pessoa



o Renato apresentou-nos "As memórias de Adriano" de Marguerite Yourcenar


e de seguida entrámos nas leituras subordinadas ao tema do dia


o Fernando leu de Miguel-Manso

Chamar-lhe país

para o José Mário Branco

quantos anos quantos dentes
quantas certezas restam aos que persistem
como sempre

sou mais um no coro a cantar-te
enquanto for possível juntar assim cantores
bardos que zombem com força desta
bardamerda a que chamam civilização

acidental de todos os ocidentes infligidos
outros mais por aguentar

ainda que nos queiram cidadãos e lhes demos
o flanco resignados ao liberal sentido
de estagnar na jucunda evidência de sermos
livres mas

sem saber desembocar no coração
desengolfar aí o graal da alegria em que fizemos
promessa de comunhão

ser solidário
há que errar conjuntamente pelo único caminho
chamar-lhe país

de "40 X Abril"



a Vitória leu de Ricardo Reis

Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes.

13-6-1930
de "Odes de Ricardo Reis"



a Maria João leu de Cecília Meireles

Metamorfose

Súbito pássaro
dentro dos muros
caído,

pálido barco
na onda serena
chegado.

Noite sem braços!
Cálido sangue
corrido.

E imensamente
o navegante
mudado.

Seus olhos densos
apenas sabem
ter sido.

Seu lábio leva
um outro nome
mandado.

Súbito pássaro
por altas nuvens
bebido.

Pálido barco
nas flores quietas
quebrado.

Nunca, jamais
e para sempre
perdido

o eco do corpo
no próprio vento
pregado.


a Anabela e a Margarida leram de Luís de Camões

Perdigão Perdeu a Pena
Não há mal que lhe não venha.

Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha.

Quis voar a uma alta torre,
Mas achou-se desasado;
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha.



a Ana Brandão leu um excerto de "Assim falava Zaratustra" (pág. 34) de Friedrich Nietzsche




o Tomás leu de Rubem Alves

Borboleta transformação

A vida precisa do vazio:

a lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta.

A música precisa de um vazio chamado silêncio para ser ouvida.

Um poema precisa do vazio da folha de papel em branco para ser escrito.

É no vazio da jarra que se colocam flores.

E as pessoas, para serem belas e amadas, precisam ter um vazio dentro delas.

A maioria acha o contrário; pensa que o bom é ser cheio.

Essas são as pessoas que se acham cheias de verdades e sabedoria e falam sem

parar. São umas chatas!

Bonitas são as pessoas que falam pouco e sabem escutar. A essas pessoas é fácil

amar. Elas estão cheias de vazio.

E é no vazio da distância que vive a saudade.




a Madalena leu "O nome dos gatos" de T.S.Eliot de "O livro dos gatos"



a Virgínia leu de Sophia de Mello Breyner Andresen
Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

de "Dia do Mar"



a Ana leu de Eugénio de Andrade
Metamorfoses da Casa

Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.

A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.

Como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.
Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.

Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.

de "Ostinato Rigore"



a Gabriela leu de Pablo Neruda

Ao pé de sua criança

O pé da criança ainda não sabe que é pé,
e quer ser borboleta ou maçã.

Mas depois os vidros e as pedras,
as ruas, as escadas,
e os caminhos de terra dura
vão ensinando ao pé que não pode voar,
que não pode ser fruta redonda num ramo.

Então o pé da criança
foi derrotado, caiu
na batalha,
foi prisioneiro,
condenado a viver num sapato.

Pouco a pouco sem luz
foi conhecendo o mundo à sua maneira,
sem conhecer o outro pé, encerrado,
explorando a vida como um cego.

de "Estravagario"



a Alexandra leu "A menina, o arco e a borboleta" de Lília da Fonseca
de "O realejo de lata - Poemas para crianças"



a Gabriela leu de Álvaro de Campos

Ah, abram-me outra realidade!
Quero ter, como Blake, a contiguidade dos anjos
E ter visões por almoço.
Quero encontrar as fadas na rua!
Quero desimaginar-me deste mundo feito com garras,
Desta civilização feita com pregos.
Quero viver como uma bandeira à brisa,
Símbolo de qualquer coisa no alto de uma coisa qualquer!
Depois encerrem-me onde queiram.
Meu coração verdadeiro continuará velando
Pano brasonado a esfinges,
No alto do mastro das visões
Aos quatro ventos do Mistério.
O Norte — o que todos querem
O Sul — o que todos desejam
O Este — de onde tudo vem
O Oeste — aonde tudo finda
— Os quatro ventos do místico ar da civilização
— Os quatro modos de não ter razão, e de entender o mundo

4-4-1929

de "Álvaro de Campos - Livro de Versos"



a Adília leu de Sophia de Mello Breyner Andresen
A Hora da Partida

A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.



a Mila leu de António Gedeão
 Poema do Futuro

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.

de "Poemas Póstumos"



a Ana Maria leu de Pablo Neruda
Não Me Sinto Mudar

Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos
cada dia mais raros são os meus cepticismos,
nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo

mental que derrubasse a canção dos meus dias
que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia,
um pouco de tédio que me deram os homens.

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.

As roseiras florescem, as mulheres partem
cada dia há mais meninas para cada conselho
para cada cansaço para cada bondade.

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas
os vermes raivosos desfazem a dor,
todos os homens pedem de mais para amanhã
eu não peço nada nem um pouco de mundo.

Mas num dia amargo, num dia distante
sentirei a raiva de não estender as mãos
de não erguer as asas da renovação.

Será talvez um pouco mais de melancolia
mas na certeza da crise tardia
farei uma primavera para o meu coração.

de "Cadernos de Temuco"
Tradução de Albano Martins



o Luís leu de "Pedro Barroso"
Rugas

Se ficasses para sempre
nos olhos que em ti medi
naquele balouçar
de vestal e puta eternamente
serias o sonho prolongado
que não há

Mas os anos amiga
os anos que passaram
fizeram de borracha a tua pele
e o desespero das rugas
enfeitou o teu rosto
num rasgo de ti mesma

E desdobras-te em cascatas de gestos
em busca do que foste
sem saber
e há qualquer coisa de injusto em tudo isso
porque os meus olhos são da mesma idade

E o tempo
esse carrasco lento
fez de nós uma referência
uma memória esconsa do que fomos

E hoje são talvez as tuas filhas
quem desdobrou de ti o alçamento
a graça de garça
e o altar de espanto

Mas tu amiga
aqueles teus seios de mármore
que eu mordi de amante
esses roubaram-mos de inveja
o tempo e a lonjura

Por isso recuso ver-te hoje
sem ser nessa memória

Dizem que é assim
isto de viver
mas há tudo de cru, injusto e triste
nessa amargura
porque a beleza extrema
nunca houvera de morrer

E tudo o que me estrago
a mim não magoa
que eu nunca contei muito
para o belo que me deste

Sempre vou ser isto
mais coisa menos coisa
cada vez mais velho e mais agreste

Mas tu tinhas direito à eternidade
o teu rosto o teu corpo as tuas mãos
moram para mim ainda e sempre
na ideia em que te guardo
e há qualquer coisa de injusto em tudo isto
porque os meus olhos são da mesma idade

de "Cantos d’Oxalá"



a Maria leu de Jorge de Sena
Metamorfose

Ao pé dos cardos sobre a areia fina
que o vento a pouco e pouco amontoara
contra o seu corpo (mal se distinguia
tal como as plantas entre a areia arfando)
um deus dormia. Há quanto tempo? Há quanto?
E um deus ou deusa? Quantos sóis e chuvas,
quantos luares nas águas ou nas nuvens,
tisnado haviam essa pele tão lisa
em que a penugem tinha areia esparsa?
Negros cabelos se espalhavam onde
nos braços recruzados se escondia o rosto.
E os olhos? Abertos ou fechados? Verdes ou castanhos
no breve espaço em que o seu bafo ardia?
Mas respirava? Ou só uma luz difusa
se demorava no seu dorso ondeante
que de tão nu e antigo se vestia
da confiada ausência em que dormia?
Mas dormiria? As pernas estendidas,
com um pé sobre outro pé e os calcanhares
um pouco soerguidos na lembrança de asas;
as nádegas suaves, as espáduas curvas
e na tão leve sombra das axilas
adivinhados pêlos... Deus ou deusa?
Há quanto tempo ali dormia? Há quanto?
Ou não dormia? Ou não estaria ali?
Ao pé dos cardos, junto à solidão
que quase lhe tocava do areal imenso,
do imenso mundo, e as águas sussurrando -
-ou não estaria ali?... E um deus ou deusa?
Imagem, só lembrança, aspiração?
De perto ou longe não se distinguia.

de "Poesias II" editado na versão original como “Ante-metamorfose”



a Ilda leu um excerto de "Metamorfoses" (pág.51) de Ovídio



a Ana e a Luísa leram um excerto de "O Girino" de Lynne Truss



o António leu Álvaro de Campos

Os emigrados

Sós nas grandes cidades desamigas,
Sem falar a língua que se fala nem a que se pensa,
Mutilados da relação com os outros,
Que depois contarão na pátria os triunfos da sua estada.
Coitados dos que conquistam Londres e Paris!
Voltam ao lar sem melhores maneiras nem melhores caras
Apenas sonharam de perto o que vira —
Permanentemente estrangeiros.
Mas não rio deles. Tenho eu feito outra coisa com o ideal?

E o propósito que uma vez formei num hotel, planeando a legenda?
É um dos pontos negros da biografia que não tive.

de "Poesia"



a Agostinha leu uma glosa de António Barbosa Bacelar
de um poema de Francisco Rodrigues Lobo
a partir de Luís de Camões

A uma ausência

Sinto-me sem sentir todo abrasado
No rigoroso fogo, que me alenta,
O mal, que me consome, me sustenta,
O bem, que me entretém, me dá cuidado;
Ando sem me mover, falo calado,
O que mais perto vejo, se me ausenta,
E o que estou sem ver, mais me atormenta,
Alegro-me de ver-me atormentado:
Choro no mesmo ponto, em que me rio,
No mór risco me anima a confiança,
Do que menos se espera estou mais certo;
Mas se de confiado desconfio,
É porque entre os receios da mudança
Ando perdido em mim, como em deserto.

de "Fénix Renascida"




o Bruno leu um excerto do "Canto V" de "Os Lusíadas" de Luís de Camões

O Adamastor

"Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo o negro mar, de longe brada
Como se desse em vão nalgum rochedo.
— "Ó Potestade, disse, sublimada!
Que ameaço divino, ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?" —

39
"Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

40
"Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te, que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo:
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo:
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo



a Teresa leu de Eugénio de Andrade
 XXXV

Em cada fruto a morte amadurece,
Deixando inteira, por legado,
uma semente virgem que estremece
logo que o vento a tenha desnudado.

de "As mãos e os frutos"

Cada coisa

Cada coisa tem o seu fulgor,
a sua música.
Na laranja madura canta o sol,
na neve o melro azul.
Não só as coisas,
os próprios animais
brilham de uma luz acariciada;
quando o inverno
se aproxima dos seus olhos
a transparência das estrelas
torna-se fonte da sua respiração.
Só isso faz
com que durem ainda.
Assim o coração.

de "O sal da língua"



a Fernanda, a Cristina, a Graciete e a Helena leram
"A lagarta" de "Bichos sem Conta" de João Barbosa e Fernanda Azevedo




a Antónia leu um poema de sua autoria



a Maria Teresa leu de Aguinaldo Fonseca
Metamorfose

Lá, era o fim da Terra
Ou o princípio do Céu.
Lá, os pássaros voavam sem susto
E brincavam no ar,
- Porque o ar era deles.
Lá, a paz imensa parecia domar
Toda a alma rebelde.
Lá, a vida parava.
Aquilo não era do homem:
Era o fim da Terra ou o princípio do Céu.
Mas, um dia, o Homem chegou
Cheio de vida, cheio de força, cheio de fé…
E o seu grito atravessou as nuvens
Como num punhal
E derrubou as montanhas;
Os ares fenderam-se;
Os pássaros caíram como pedras desgarradas.
O encanto quebrou-se!
O Homem não foi cruel
- Foi apenas humano.
Agora,
Lá não é o fim da Terra
Nem o princípio do Céu
- Mas, sim, a continuação da Vida
De que o Homem precisava.




o Renato leu um excerto de "Sinais de Fogo" de Jorge de Sena



e pronto, em noite de S. Martinho...