O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.
Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.
Pouco a pouco o campo se alarga e se doura.
A manhã extravia-se pelos irregulares da planície.
Sou alheio ao espectáculo que vejo: vejo-o.
É exterior a mim. Nenhum sentimento me liga a ele,
E é esse sentimento que me liga à manhã que aparece.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o eco... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário de todas as direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
- Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez.
e não poderíamos terminar sem paparocas, desta vez foram "Broinhas de batata"
Broinhas de batata
4 ovos
1/2 kg de batatas (cozidas com sal)
300 gr. de açúcar
500 gr. de farinha
Sumo de uma laranja ou limão
Canela ou erva doce
Fruta seca q.b.
Ovos+açúcar+batatas+farinha+sumo+canela+frutos secos
Formar bolinhas com a massa, levar ao forno num tabuleiro com papel vegetal, et voilà!
"O homem que lê em voz alta expõe-se em absoluto. Se ele não sabe o que está a ler, é ignorante no que diz, é uma lástima e isso ouve-se. Se se recusa a habitar a sua leitura, as palavras mantêm-se mortas, e isso sente-se. Se inunda o texto com a sua presença, o autor retrai-se, e nada mais resta do que um número de circo, e isso vê-se. O homem que lê em voz alta expõe-se totalmente aos olhos que o escutam."
Porque é tudo para sempre, mesmo a efémera morte,
encontrar-nos-emos eternamente
e nunca mais nos veremos.
O impossível volta a ser impossível. Para sempre.
Impossível é cada manhã aberta,
um deus sonha consigo através de nós.
Às vezes quase posso tocá-lo, ao deus,
surpreendê-lo no seu sono, também ele real e efémero.
Matéria, alma do nada,
os mortos ouvem a tua música sólida
pela primeira vez, como uma respiração de estrelas.
A sua intranquilidade transforma-se em si mesma, música.
Excerto do conto "A defunta"
(…)
Como era desembaraçada e com sentido de humor, em vida costumava dizer que não se preocupassem com ela, estava bem e recomendava-se, estivessem descansados que três dias antes de morrer avisaria. Afinal não avisou, mas a verdade é que as coisas aconteceram como se ela as tivesse organizado, como costumava fazer em relação a tudo:
Faleceu num sábado, quando as pessoas da família estavam em casa e era fácil avisá-las, e o enterro realizou-se no domingo, quando todos podiam deslocar-se sem faltar aos empregos nem atrapalhar demasiado as suas vidas. (…)
Um bom número de familiares chegou de manhã, outros um pouco depois, mas de qualquer modo antes do almoço, que alguns foram comer a um restaurante conhecido, a dois ou três quilómetros dali. Outros preferiram não almoçar, houve quem se contentasse com um prego ou um cachorro quente, e houve também quem não comesse, embora fosse óbvio que o jejum não tirava nem acrescentava nada à situação.
Mas à hora da missa, que era às três da tarde, toda a gente estava reunida, dentro e fora da igreja, a que mais se deveria chamar capela, porque era demasiado pequena para albergar tantas pessoas. Felizmente, tinham instalado, junto ao sino, um altifalante que permitia ouvir perfeitamente tudo o que se passava lá dentro.
Todos puderam, assim, escutar a longa homilia em que o padre enalteceu as qualidades da defunta e confortou a família enlutada. (…) Até que a missa terminou com a comunhão e a bênção, e se seguiu a encomendação das almas.
Isso foi, naturalmente, antes de o caixão ser fechado e selado e de já não ser mais possível olhar a defunta – que parecia muito aprumada e compenetrada, vestida de preto, como se não tivesse a menor dificuldade em se adaptar àquele papel, embora antes nunca o tivesse experimentado. Mas ela sempre assim fora – facilmente se adaptava, e aprecia sempre estar à altura, em todas as situações.
Então, começaram a sair da igreja os primeiros, a irmandade de Nossa Senhora, com uma opa azul celeste, depois a família e outras pessoas carregando ramos e coroas de flores. A seguir, antes do grosso do povo, saiu o caixão, carregado por dois filhos e dois netos, cada um segurando numa pega dourada, os netos nas da frente, onde era preciso fazer mais força, os filhos, com falta de cabelo e já grisalhos, segurando as pegas de trás.
e eis que o Tomás fez de defunta
Quem estava lá fora teve de repente a ilusão de que a defunta, em pessoa, caminhava à frente do caixão, pequenina e mirrada, mas segura de si, repuxando o xaile de lã e compondo o lenço em volta da cabeça.
Mas logo se percebeu que não era a defunta, mas uma sua comadre, da mesma idade e igualzinha a ela. A ilusão iria repetir-se, depois, no cemitério: várias pessoas julgaram ver a defunta caminhar convictamente por entre as campas, amparada à bengala. No entanto, em todos os casos, se verificou tratar-se de uma das comadres – havia várias, e eram todas iguais, portanto fáceis de confundir.
Perdi meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!
Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...
Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...
A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
a Ilda não pôde estar presente mas enviou-nos o seu contributo que pode ser ouvido aqui em baixo
Excertos do livro XI "Confissões" de Santo Agostinho
e no final houve 'Boleima'
aqui fica de novo a receita:
Ingredientes:
4 chávenas de farinha
1 chávena de leite
1 chávena de óleo
1 colher de chá de sal
maçãs
açúcar amarelo
canela
manteiga
Confecção
Amasse bem a farinha com o leite, o óleo e o sal.
Depois de bem amassada, divida a massa em duas. Estenda uma parte e forre o tabuleiro (untado com manteiga e polvilhado com farinha).
Polvilhe a massa com canela e açúcar amarelo e, por cima, coloque a maçã cortada em lâminas. Volte a polvilhar com canela e açucar.
Coloque por cima da maçã a outra parte da massa e volte a polvilhar com açúcar e canela.
Corte a boleima em quadrados, antes de ir ao forno a 180º, durante 25min.
CORO DE LEITORES
Esta proposta tenciona trabalhar uma história como se fosse uma partitura musical, para ser lida por um grupo de leitores em voz alta.
Vamos trabalhar os fundamentos práticos e teóricos da leitura em voz alta, diferentes abordagens, técnicas de expressividade e criatividade oral, trabalho gestual, técnicas de interpretação de leitura em voz alta e guião de leitura em voz alta coletiva.
Pré-requisitos: Todas as pessoas que tenham boa disposição para brincar muito com os sons, as palavras e a expressão gestual.
Datas: sábado 25 de outubro / sábado 1 e 8 de novembro
Local: Sede da Fundação José Saramago
Horário: das 11h às 13h
Custo: 30€
Informações e inscrições: Rodolfo Castro: habitantedoconto@gmail.com