O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

NAMOROS LIVRESCOS

Pensem num membro do clube.

Já pensaram? Óptimo.

Agora pensem que livro é que conhecem (e adoram) que gostariam muito que aquela pessoa lesse.

Já está?

Agora tentem convencê-lo(a) a ler.

Como no amor não há nada melhor que dar e receber, é provável que essa pessoa vos faça o mesmo. E até se pode namorar com várias pessoas ao mesmo tempo.

Para quem quiser e lhe apetecer. Não é uma rubrica do Clube, é uma proposta de jogo e de descoberta de novos livros e autores e momentos de prazer.

P R O P O S T A

Ler em voz alta de outra maneira, sem medo de experimentar outra forma. A sós ou acompanhados.
O próximo texto para a próxima sessão (sobre o tema Floresta) já podia ser, para quem quiser, claro, uma experiência nova.

Exemplos tontos:
ler ao pé coxinho; ler em câmara lenta; ler ao ouvido; etc.

Inventem e arrisquem, não têm nada a perder.

Próxima sessão - 12 de outubro



e o livro do dia estará a cargo da Virgínia

livro do dia



esteve a cargo da Patrícia e da Irene

O Pássaro da Alma de Michal Snunit

Pode ler-se aqui: (não sei se o texto está correcto)

A Patrícia trouxe-nos também um livro que a marcou:
Prenatal Yoga and Natural Childbirth de Jeannine Parvati Baker

28 setembro 2010 - AS FLORES





Leituras:

Mariana:

A Flor - Almada Negreiros

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!
As pessoas não acham parecidas esta linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

in A invenção do dia claro


***

Isabel:
Se às vezes digo que as flores sorriem... - Alberto Caeiro


***

Helena Ramos:
Já calma nos deixou - Luís de Camões


***

Alexandra Ferreira
A Flor - Gallimard Jeunesse, Claude Delafosse, René Mettler


***

Helena Policarpo:
Excerto de "Este é o teu reino" de Abilio Estévez


***

Fernando:
Excerto do conto

Íris - Hermann Hesse

Na primavera da sua infância, Anselmo andava pelo jardim verdejante. Entre as flores de sua mãe, havia uma que especialmente o atraía, o lírio. Ele colava a bochecha ao verde- -claro das folhas altas, apertava entre os dedos as suas negras pontas aguçadas, para senti-las, aspirava o perfume da grande e encantadora corola e olhava demoradamente no seu interior. Ali, havia longas filas de dedos amarelos erguendo-se de um fundo azul desmaiado e, por entre eles, corria um caminho claro para trás e para o fundo, penetrando pelo cálice e o mistério azul da flor adentro. Gostava muito delas e olhava longamente aquele interior, e os membros amarelo-delgados pareciam-lhe já uma sebe doirada em redor do jardim de um rei, já uma dupla fileira de belas árvores de sonho que nenhum vento agita, e por entre elas, claro e percorrido por vidrinas artérias vitais, seguia o misterioso caminho para o seu interior. Monstruosamente, a abóbada distendia-se para trás, o caminho perdia-se por entre as árvores doiradas, infinitamente, para o fundo da incomensurável garganta, e por sobre ele, régia e abobadando-se, a curvatura violeta depositava ténues sombras mágicas sobre o silente milagre que permanecia aguardando. Anselmo sabia que era ali a boca da flor, que por detrás das fulgurantes excrescências amarelas, na garganta azul, moravam o coração dela e os seus pensamentos, e que era por sobre aquele gracioso e claro caminho de vítreas artérias que a respiração e os seus sonhos entravam e saíam. (...)

in Contos Maravilhosos


***

Cecília:
Rosa sem espinhos - Almeida Garrett



***

Paula:
A Flor e o Colibri - José Jorge Letria


***

Mila:
De tarde - Cesário Verde


***

Patrícia:
Excerto de: Viagem sem regresso - Katy Gardner


***

Cristina:
Poema das Flores - António Gedeão

Se com flores se fizeram revoluções
que linda revolução daria este canteiro!

Quando o clarim do sol toca a matinas
ei-las que emergem do nocturno sono
e as brandas, tenras hastes se perfilam.
Estão fardadas de verde clorofila,
botões vermelhos, faixas amarelas,
penachos brancos que se balanceiam
em mesuras que a aragem determina.
É do regulamento ser viçoso
quando a seiva crepita nas nervuras
e frenética ascende aos altos vértices.

São flores e, como flores, abrem corolas
na memória dos homens.

Recorda o homem que no berço adormecia,
epiderme de flor num sorriso de flor,
e que entre flores correu quando era infante,
ébrio de cheiros,
abrindo os olhos grandes como flores.
Depois, a flor que ela prendeu entre os cabelos,
rede de borboletas, armadilha de unguentos,
o amor à flor dos lábios,
o amor dos lábios desdobrado em flor,
a flor na emboscada, comprometida e ingénua,
colaborante e alheia,
a flor no seu canteiro à espera que a exaltem,
que em respeito a violem
e em sagrado a venerem.

Flores estupefacientes, droga dos olhos, vício dos sentidos.

Ai flores, ai flores das verdes hastes!
A César o que é de César. Às flores o que é das flores.


***

Cristina:
O quê? Valho Mais que uma Flor - Alberto Caeiro

O quê? Valho mais que uma flor
Porque ela não sabe que tem cor e eu sei,
Porque ela não sabe que tem perfume e eu sei,
Porque ela não tem consciência de mim e eu tenho consciência dela?
Mas o que tem uma coisa com a outra
Para que seja superior ou inferior a ela?
Sim tenho consciência da planta e ela não a tem de mim.
Mas se a forma da consciência é ter consciência, que há nisso?
A planta, se falasse, podia dizer-me: E o teu perfume?
Podia dizer-me: Tu tens consciência porque ter consciência é uma qualidade humana
E só não tenho uma porque sou flor senão seria homem.
Tenho perfume e tu não tens, porque sou flor...

Mas para que me comparo com uma flor, se eu sou eu
E a flor é a flor?

Ah, não comparemos coisa nenhuma, olhemos.
Deixemos análises, metáforas, símiles.
Comparar uma coisa com outra é esquecer essa coisa.
Nenhuma coisa lembra outra se repararmos para ela.
Cada coisa só lembra o que é
E só é o que nada mais é.
Separa-a de todas as outras o facto de que é ela.
(Tudo é nada sem outra coisa que não é).

in Poemas Inconjuntos



próximo clube - dia 28 de Setembro




o livro do dia estará a cargo da Patrícia

foi assim...



As fotos seguintes foram tiradas pelo Paulo Filipe.
Para quem não sabe, o Paulo é o pai do nosso membro mais novo, a Irene.
A Teresa Pedrosa (quase) não aparece, provavelmente o Paulo teve de dar atenção à Irene.
Quem tiver acesso a outras fotos, ponha aqui ou envie para nós, enfim, partilhe :)





































próxima sessão

A próxima sessão será já quinta-feira, dia 9 de setembro, à mesma hora de sempre, 20h30.

O objectivo será fazer um ensaio geral.

É MUITO IMPORTANTE que cada um tenha o seu livro, com o seu texto, com a sua frase e com as restantes anotações que necessitar (entradas, saídas, marcações, etc).

sequência dos textos

Paula e Helena Machado

ANTÓNIO TORRADO - O CONTADOR ...
O contador
antes de começar
fez um gesto no ar
em redondo
como se quisesse desenhar
o Sol
a casca de um caracol
um balão
a sombra de um pião
um bombo...

E disse:

- A história que vou contar
começa por uma ponta
dá uma volta reviravolta
meia tonta
e acaba
tal e qual
mesmo ao lado
donde tudo tinha começado.

Por isso,
para a cambalhota final
da história em salto mortal
onde ninguém corre perigo,
contem
contem comigo.

E o contador, contente
por contar,
ficou-se a olhar
para toda aquela gente
à roda da história
e dele,
contador
desenhador no ar
inventor da arte de saltar
sem se mexer.

Ficou-se a olhar, a olhar
e suspirou de prazer
a ponto de se esquecer
de continuar.

- Mas onde é que eu ia? -
- perguntou o contador,
um pouco perdido
no meio do contentamento
do contar e ouvir contar,
que é assim a modos que
uma espécie de cócega,
virada do avesso,
uma sede, um sabor
um sabor a pêssego
antes do pêssego chegar ao calor
do céu-da-boca...

- Ah! - lembrou-se o contador
que, às vezes, se distraía
dos recados que trazia.

E com um lento aceno
de quem muda a folha
dum livro ou do pensamento,
o contador concluiu:
- A história que vou contar
é, nem mais nem menos,
do que uma história circular
como vão já já já
poder observar

Ora façam favor de reparar...

Patrícia
MANOEL DE BARROS - O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos


Ana Rita

MANUEL ANTÓNIO PINA - COISAS QUE NÃO HÁ QUE HÁ

Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...


Virgínia

ITALO CALVINO - SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE

"Foi logo na montra da livraria que descobriste a capa com o título que procuravas. Atrás desta pista visual, lá foste abrindo caminho pela loja dentro através da barreira cerrada dos Livros Que Não Leste, que de cenho franzido te olhavam das mesas e das estantes procurando intimidar-te. Mas tu sabes que não te deves deixar assustar, que no meio deles se estendem por hectares e hectares os Livros Que Podes Passar Sem Ler, os Livros Feitos Para Outros Usos Para Além Da Leitura, os Livros Já Lidos Sem Ser Preciso Sequer Abri-los Por Pertencerem À Categoria Do Já Lido Ainda Antes De Ser Escrito. E assim transpões a primeira muralha de baluartes e cai-te em cima a infantaria dos Livros Que Se Tivesses Mais Vidas Para Viver Certamente Lerias Também De Bom Grado Mas Infelizmente Os Dias Que Tens Para Viver São Os Que Tens Contados. Com um movimento rápido passas por cima deles e vais parar ao meio das falanges dos Livros Que Tens Intenção De Ler Mas Antes Deverias Ler Outros, dos Livros Demasiado Caros Que Podes Esperar Comprar Quando Forem Vendidos Em Saldo, dos Livros Idem Idem Aspas Aspas Quando Forem Reeditados Em Formato De Bolso, dos Livros Que Podes Pedir A Alguém Que Te Empreste e dos Livros Que Todos Leram E Portanto É Quase Como Se Também Os Tivesses Lido. Escapando a estes assaltos diante das torres de reduto, onde se te opõem resistência

os Livros Que Há Muito Programaste Ler,
os Livros Que Há Anos Procuravas Sem Os Encontrares,
os Livros Que Tratam De Alguma Coisa De Que Te Ocupas Neste Momento,
os Livros Que Queres Ter Para Estarem À Mão Em Qualquer Circunstância,
os Livros Que Poderias Pôr De Lado Para Leres Se Calhar Este Verão,
os Livros Que Te Faltam Para Pores Ao Lado De Outros Livros Na Tua Estante,
os Livros Que Te Inspiram Uma Curiosidade Repentina, Frenética E Não Claramente Justificada.
E lá conseguiste reduzir o número ilimitado das forças em campo a um conjunto sem dúvida ainda muito grande mas já calculável num número finito, mesmo que este relativo alívio seja atacado pelas emboscadas dos Livros Lidos Há Tanto Tempo Que Já Seria Altura De Voltar A Lê-los e dos Livros Que Dizes Que Leste e Seria Altura De Te Decidires A Lê-los Mesmo."


Mariana

JOSÉ PAULO PAES - PESCARIA

Um homem
que se preocupava demais
com coisas sem importância
acabou ficando com a cabeça cheia de minhocas.
Um amigo lhe deu então a ideia
de usar as minhocas numa pescaria
para se distrair das preocupações.
O homem se distraiu tanto
pescando
que sua cabeça ficou leve
como um balão
e foi subindo pelo ar
até sumir nas nuvens.

Fernando
RUSSELL EDSON - UM PEQUENO ALMOÇO HISTÓRICO
Um homem aproxima uma chávena de café da cara, inclina-a para a boca. É histórico, pensa. Ele coça a cabeça: outro acontecimento histórico. Devia era descansar, está a produzir uma quantidade imensa de história logo de manhã.
Credo, agora está a barrar torradas com manteiga, outro bocado de história a fazer-se.
Ele espanta-se por ter-lhe sido destinado ser tão histórico. Outros provavelmente não o têm, pensa, é, ao fim e ao cabo, um talento.
Ele pensa que um dos seus atacadores precisa de ser apertado. Ah bom, mais um acontecimento histórico importante que está para acontecer. Não o pode evitar. Estará talvez a ocupar uma faixa demasiado grande de história? Mas tem que viver, não tem? As torradas necessitam de manteiga e ele não pode andar por aí com um dos atacadores desapertados, pois não?
É certamente verdade, que quando escreverem todo o século XX será principalmente acerca dele. É a forma como o bolo se esmigalha - ah, aí está uma frase que será citada nos séculos vindouros.
Convencido? Um pouco; como pode evitá-lo observado por todos os olhos ainda por nascer do futuro?
Oh, oh, sente outro acontecimento histórico a chegar... Ah, ai está, uma chávena de café a aproximar-se da cara na ponta do seu braço. Se conseguissem registar isso em filme, quanta importância não teria para o futuro.
Bolas, derramou-o todo no colo. Um desses acidentes históricos que influenciarão os próximos mil anos; imprevisível e até muito desconfortável... Mas a história nunca é fácil, pensa ele...

Teresa Ramos
SÉRGIO GODINHO - O OVO

A galinha pôs um ovo
até aqui nada de novo
mas atenção
por estranho que pareça
não pôs o ovo no chão
pôs o ovo na cabeça
fê-lo tão violentamente
que o ovo deu um estalo
e mais que evidentemente
na cabeça da galinha
nasceu um galo

Helena Ramos
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - MÓNICA


Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, toda a gente gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve de renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, "qualquer distracção pode causar a morte do artista". Mónica nunca tem uma distracção.
Isabel e João
ANTÓNIO GEDEÃO - IMPRESSÃO DIGITAL

Os meus olhos são uns olhos,
e é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos,
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos, diz flores!
De tudo o mesmo se diz!
Onde uns vêem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente!!

Inútil seguir vizinhos,
querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos!
Onde Sancho vê moinhos,
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos!
Vê gigantes? São gigantes!

Teresa Pedrosa
FERNANDO PESSOA - NÃO SEI SE É SONHO

Não sei se é sonho, se realidade
Se uma mistura de sonho e de vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri.

Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.

Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nesta terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.

Helena Policarpo
EUGÉNIO DE ANDRADE - ELEGIA E DESTRUIÇÃO

Desse tempo em que se permanece criança
durante milhares de anos,
trouxe comigo um cheiro a resina;
trouxe também os juncos vermelhos
que ladeiam a orla do silêncio,
neste quarto, agora habitado pelo vento;
trouxe ainda um olhar húmido
onde os pássaros perpetuam o céu.

Dificilmente esqueço a rua onde encontrei
os teus olhos imensos, fascinados
pelo fulgor secreto das espadas,
a casa onde te contei, de mãos trémulas,
a parábola do pão e do vinho,
dando a cada palavra um rosto novo.

A cidade onde te amei foi decepada
e não posso abolir as sentinelas do medo.
Mas também não posso deixar de te querer
com beijos e relâmpagos,
com sonhos que tropeçam nas paredes
e se alimentam de terror e alegria,
enquanto o tempo persiste em soluçar.

Que me quereis verdes sombras da lua
na minha cama onde adormece o frio?
Aqui estou, mais alto do que o trigo,
sangrando nas pétalas do dia,
e sem receio de que aos nossos gritos
ainda chamem brisa.
António
PARAÍSO - DAVID MOURÃO-FERREIRA
Deixa ficar comigo a madrugada,
Para que a luz do sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
Deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
Onde eu ouça o estertor de uma gaivota…
Crepite, em derredor, o mar de Agosto…
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
Que acendas, para tudo ser perfeito,
À cabeceira a luz do teu joelho,
Entre os lençois o lume do teu peito…

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

Daniel
TOSSAN - O SAPO

Um sapo de grande papo
Papou a papa do prato
Que era para o papo do gato.
E não só papou a papa
Como também papou o prato.
O prato quando chegou ao papo
Encontrou-se com a papa
Que já lá estava no papo.
E o sapo, da papa fez a digestão
Agora do prato é que não.

Alexandra Justino
ALEXANDRE O’NEILL - AMIGO

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,
não o erro perseguido, explorado,
é a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
um trabalho sem fim,
um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,
não o erro perseguido, explorado,
é a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
um trabalho sem fim,
um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Alexandra Ferreira
ALMADA NEGREIROS - VALOR DAS PALAVRAS

Há palavras que fazem bater mais depressa o coração – todas as palavras – umas mais do que outras, qualquer mais do que todas. Conforme os lugares e as posições das palavras. Segundo o lado de onde se ouvem – do lado do sol ou do lado onde não dá o sol. Cada palavra é um pedaço do universo. Um pedaço que faz falta ao universo. Todas as palavras juntas formam o universo. As palavras querem estar nos seus lugares!


Cecília

SEBASTIÃO DA GAMA - CABO DA BOA ESPERANÇA
-->
Nasci pra ser ignorante.
Mas os parentes teimaram
(e dali não arrancaram)
em fazer de mim estudante.

Que remédio? Obedeci.
Há já três lustros que estudo.
Aprender, aprendi tudo,
mas tudo desaprendi.

Perdi o nome às Estrelas,
aos nosso rios e aos de fora.
Confundo fauna com flora.
Atrapalham-me as parcelas.

Mas passo dias inteiros
a ver um rio passar.
Com aves e ondas do Mar
tenho amores verdadeiros.

Rebrilha sempre uma Estrela
por sobre o meu parapeito;
pois não sou eu que me deito
sem ter falado com ela.
Conheço mais de mil flores.
Elas conhecem-me a mim.
Só não sei como em latim
as crismaram os doutores.

No entanto sou promovido,
mal haja lugar aberto,
a mestre: julgam-me esperto,
inteligente e sabido.

O pior é se um director
espreita pla fechadura:
lá se vai a licenciatura
se ouve as lições do doutor.
Lá se vai o ordenado
de tuta e meia por mês,
Lá fico eu de uma vez
um Poeta desempregado.

Se me não lograr o fado,
porém, com tais directores,
e de rios, aves e flores
somente for vigiado,

enquanto as aulas correrem
não sentirei calafrios,
que flores, aves e rios
ignorante é que me querem.

Augusto
LEÓN FELIPE - EU NÃO SEI MUITAS COISAS...

Eu não sei muitas coisas, é verdade.
Apenas falo do que tenho visto.
E já vi:
que o berço do homem o embalam com histórias,
que os gritos de angústia do homem os afogam com histórias,
que o pranto do homem o tapam com histórias,
que os ossos do homem os enterram com histórias,
e que o medo do homem…
inventou todas as histórias.
Sei muito poucas coisas, é verdade,
mas adormeceram-me com todas as histórias…
E sei todas as histórias.

sequência das frases

Ana Rita
Morre lentamente, quem não viaja, quem não lê. quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
de Pablo Neruda


Alexandra Ferreira
Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca
de Jorge Luis Borges


Helena Machado

Ler é uma arte e um ritual íntimo. Um livro é um espelho e só podemos encontrar nele o que já temos dentro.
de Carlos Ruiz Zafón



Daniel
Os livros têm saudades
daquilo que está por vir,
que o passado já conhecem
e o não querem repetir.

São saudades soletradas
com a ternura das fadas
que gostam de pôr livros
na árvore das madrugadas.
de José Jorge Letria


António
O livro foi, é e será sempre livre!
de António Soares



Mariana
Qualquer Biblioteca é o Armazém do Conhecimento
de Mariana Tomás

Fernando
Acho a televisão muito educativa.
Sempre que alguém liga um televisor, vou para outra divisão ler um livro.
de Grouxo Marx


Virgínia

Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias.
de Mário Vargas Llosa


Augusto
As palavras expostas, numa leitura, enriquecem-nos o coração com letras.
de Augusto Silva



Teresa Ramos
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.de José Paulo Paes



Helena RamosHá palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
de Alexandre O'Neill


Teresa Pedrosa
Nunca deveis utilizar uma palavra nova a não ser que tenha estas três qualidades: ser necessária, inteligível e sonora."
de Voltaire


Cecília
Ler para mim é: Viajar
Ler para mim é: Sorrir
Ler para mim é: Aprender
Ler para mim é: Amor
Ler para mim é: Viver
de Cecília Pinto


Helena Policarpo
Biblioteca = Aerogare de sonhos, com voos em todas as direcções e sentidos.
de Helena Policarpo



Paula Margato
Recomendar a leitura de livros é tão importante e tão inútil como recomendar que se beba muita água.
de Carlos Ceia

Alexandra Justino
Um belo livro é aquele que semeia em redor os pontos de interrogação
de Jean Cocteau

Patrícia
Todos os dias faz anos que foram inventadas as palavras.
É preciso festejar todos os dias o centenário das palavras.
de Almada Negreiros

Isabel e João Morais
O menino disse: Vem.
A menina disse: Fico.
O menino disse: Porque ficas?
A menina disse: Sou assim.
O menino disse: Já viste o bosque?
A menina disse: Gosto de medronhos.
O menino disse: Eu trepo às árvores.
A menina disse: Tenho medo das cobras.
O menino disse: Gosto muito das tuas tranças.
A menina disse: O meu pai é poeta.
O menino disse: A minha avó é Maria Isabel.
A menina disse: Estou cansada de dizer tantas coisas.
O menino disse: Quando for crescido compro um avião enorme.
A menina disse: Deixas-me encher o avião de letras?
O menino disse: Deixo.
A menina disse. Vou.
Foram bonitos para sempre porque falaram juntos muitas palavras felizes.
de Helena Vieira da Silva


2º aniversário da Biblioteca de Alcochete # 3

posições para as "frases"













e no final, como não poderia deixar de ser, houve festa :)