- Libertar a tensão
- A imagem que passamos com a postura do corpo
Um exemplo:
um casamento |
António Gil
Helena R., Paulo M., António S., Helena P., Cecília, Mariana
adaptado de Gil Vicente uma espécie de Auto da Barca do Inferno
António S, Helena P, Cecília, Mariana uma espécie de Auto da barca do inferno a partir de excertos da obra de Gil Vicente |
Uma Barca a Caminho do Inferno.
Subsídio para a compreensão do Auto da Barca do Inferno, numa versão pós-moderna da saga Vicentina, onde em poucos minutos se mostra o que se passou depois que a barca soltou amarras em direcção ao seu destino.
DIABO: António
FIDALGO: Mariana
ONZENEIRO: Cecília
FRADE: Helena P.
BRÌZIDA: Paulo M.
SAPATEIRO: Helena R.
Todos sentados na barca, excepto o Diabo
DIABO:
À barca, à barca, houlá!
que temos gentil maré!
Bem está!
[aponta para o Padre]
Vai tu muitieramá,
e atesa aquele palanco
À barca, à barca, hu-u!
Asinha, que se quer ir!
Louvores a Berzebu!
[aponta para o Fidalgo]
Ora, sus! que fazes tu?
Despeja todo esse leito!
[aponta para Brízida]
Abaixa aramá esse cu!
Faze aquela poja lesta e alija aquela driça.
[suspirando]
Oh, que caravela esta!
[vigoroso]
Põe bandeiras, que é festa.
Verga alta! Âncora a pique!
FIDALGO:
[desolado]
Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!
DIABO:
[troçando]
Vai ou vem!
Segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.
Pois que já a morte passastes,
haveis de passar o rio.
ONZENEIRO:
[espantado olhando o fidalgo]
Santa Joana de Valdês!
Cá é vossa senhoria?
FIDALGO:
[com ar de desprezo para o Onzeneiro]
Dá ò demo a cortesia!
DIABO:
[repreendendo]
Ouvis? Falai vós cortês!
Vós, fidalgo, cuidareis que estais na vossa pousada?
Dar-vos-ei tanta pancada
com um remo que renegueis!
[o FIDALGO tapa a cabeça com as mãos e dobra-se na cadeira, para se defender]
ONZENEIRO:
[bajulador]
Houlá! Hou! Demo barqueiro!
Sabês vós no que me fundo?
Quero lá tornar ao mundo
e trazer o meu dinheiro.
DIABO:
[interrompendo-o]
rema, rema, e remarás!
Nom percamos mais maré!
SAPATEIRO:
[suspira]
Ah! Nom praza ò cordovão,
nem à puta da badana,
se é esta boa traquitana
em que se vê Jan Antão!
DIABO:
[trocista]
Santo sapateiro honrado,
como vens tão carregado?...
Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta!
Não curês de mais detença.
tomai um par de remos e remai!
SAPATEIRO:
[desculpando-se]
Renegaria eu da festa
e da puta da barcagem!
BRÍZIDA:
[com ar lampeiro]
Quem chama Brízida Vaz?
SAPATEIRO:
Quem sois vós?
BRÍZIDA:
Eu sô aquela preciosa
que dava as moças a molhos,
a que criava as meninas
pera os cónegos da Sé...
E eu som apostolada,
angelada e martelada,
e fiz cousas mui divinas.
Santa Úrsula nom converteu
tantas cachopas como eu:
todas salvas polo meu
que nenhüa se perdeu.
E prouve Àquele do Céu
que todas acharam dono.
FRADE
[pergunta ao SAPATEIRO]
Sapateiro, essa dama ela é vossa?
DIABO
[interrompendo]
Que é isso, padre?! Que vai lá?
FRADE:
[inconformado]
Corpo de Deus consagrado!
Pela fé de Jesu Cristo,
que eu nom posso entender isto!
Eu hei-de ser condenado?!...
Um padre tão namorado
e tanto dado à virtude?
BRÍZIDA:
E eu Brízida Vaz?
Lá hei-de ir desta maré.
Eu sô üa mártela tal!...
Açoutes tenho levados
e tormentos suportados
que ninguém me foi igual.
Se vou ò fogo infernal,
lá irá todo o mundo!
SAPATEIRO:
[interrompendo-a]
Todo mundo? E eu? Como poderá isso ser,
confessado e comungado?!...
DIABO:
Xu… Tu morreste excomungado:
Nom o quiseste dizer.
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos...
Tu roubaste bem trint'anos
o povo com teu mester.
SAPATEIRO:
[respondendo ao diabo]
Quantas missas eu ouvi,
nom me hão elas de prestar?
DIABO:
Ouvir missa, então roubar,
é caminho per'aqui.
SAPATEIRO:
E as ofertas que darão?
E as horas dos finados?
DIABO:
E os dinheiros mal levados,
que foi da satisfação?
ONZENEIRO:
[com ar satisfeito]
Ora dinheiros!Mais quisera eu também lá tardar...
[entristecido]
Na safra do apanhar me deu Saturno quebranto.
DIABO:
[trocista]
Ora mui muito m'espanto
nom vos livrar o dinheiro!...
ONZENEIRO:
Solamente para o barqueiro
nom me leixaram nem tanto...
DIABO:
Irás servir Satanás,
pois que sempre te ajudou.
ONZENEIRO:
Oh! Triste, quem me cegou?
DIABO:
Cal'te, que cá chorarás.
FIDALGO:
[chorando]
Oh triste! Enquanto vivi
não cuidei que o i havia:
Tive que era fantasia!
Folgava ser adorado,
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.
DIABO:
[rindo]
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
e valentes remadores!
FIDALGO:
[falando para o Diabo]
Dá-me licença, te peço,
que vá ver minha mulher.
DIABO:
[trocista]
E ela, por não te ver,
despenhar-se-á dum cabeço!
Quanto ela hoje rezou,
antre seus gritos e gritas,
foi dar graças infinitas
a quem a desassombrou.
FIDALGO:
[contrariando]
Cant'a ela, bem chorou!
DIABO:
Nom há i choro de alegria?..
FIDALGO:
E as lástimas que dezia?
DIABO:
Sua mãe lhas ensinou...
FIDALGO:
ver minha dama querida
que se quer matar por mi.
DIABO:
[com estranheza]
Que se quer matar por ti?!...
FIDALGO:
[convicto]
Isto bem certo o sei eu.
DIABO:
Ó namorado sandeu,
o maior que nunca vi!...
FIDALGO:
Como pod'rá isso ser,
que m'escrevia mil dias?
DIABO:
Quantas mentiras que lias,
e tu... morto de prazer!...
BRÍZIDA
[interrompendo]
De prazer pra embarcar
trazia eu muito fato
Seiscentos virgos postiços
e três arcas de feitiços
que nom podem mais levar.
Três almários de mentir,
e cinco cofres de enlheos,
e alguns furtos alheos,
assi em jóias de vestir,
guarda-roupa d'encobrir,
enfim - casa movediça;
um estrado de cortiça
com dous coxins d'encobrir.
FRADE:
Ora estás bem aviada!
BRÍZIDA:
A mor cárrega que é:
essas moças que vendia.
Daquestra mercadoria
trazia eu muita, à bofé!
DIABO:
Ora vai mazé remando,
não me estês importunando
BRÍZIDA:
Pois estou-vos eu contando
porque me haveis de deixar
DIABO:
Não cures de importunar
Que só podes ir aqui
FRADE:
Vamos onde havemos d'ir!
Não praza a Deus coa a ribeira!
Eu não vejo aqui maneira
senão, enfim,… concrudir.
[o barco encalha]
DIABO:
Alto! Todos a tirar,
Que está em seco o batel!
Sai vós frei Babriel!
Ajudai ali a botar!
[saem todos a fugir, menos o diabo, que fica a praguejar]
Excomungados! Danados!
Entrai, entrai no batel que ao inferno haveis de ir!
[gritando]
Entrai cá! Que cousa esta!
Eu não posso entender isto!
[corre atrás deles]
Helena Pinto
O Tejo é o mais belo rio que corre na minha aldeia
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Vitória, Teresa, João e Alexandra F.
Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”
“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”
Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.
Mila
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o Oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
Teresa
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando
Paulo
de António Gedeão in "Teatro do Mundo" (1958)
Paulo e Cristina: a ler dentro de uma nau |
Poema da Malta das Naus
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
Rosa
Naus e Caravelas
No horizonte, avistam-se Naus e Caravelas
Vêm de mares outrora desconhecidos
Trazem ouro, organdins e canelas
E Valentes que no Bojador navegaram perdidos
No mastro mais alto, vem a bandeira
Que ao vento suporta feitos heróicos
De um povo, de Becos, Vielas e Ladeira
Servindo a Pátria em Descobrimentos históricos
No Tejo, as Naus e Caravelas vão acostar
Comandadas p’la onda que o rio tece
É uma prenda do Céu que vai chegar
Num dia de primavera que floresce
P’los marinheiros estão noivas de atalaia
Trazendo rosas de sorrisos perfumados
Vem vestidas de chita e cambraia
Deslumbrantes p’ra seus heróis amados
E na cidade, o povo canta por estar feliz
Dança, e chora de alegria
Vira-se mais uma página escrita de raiz
P’ra história, governada p’la burguesia
Fernando
de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
Passagem das Horas
A versão integral pode ser consultada aqui
Ana Rita
Piratas
Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.
Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
Carmen
Cristina
Armário de especiarias e ervas aromáticas
Cerofólio, manjerona
malagueta, benjoim
noz moscada, cardomomo
salsa, sândalo, alecrim
erva doce, piripiri
cravinho, canela em pau
gengibre, menta, tomilho
pimpinela, colorau
zimbro, funcho, açafrão
oregãos, coentros, caril
azedas, louro, estragão
A sessão terminou, com uns deliciosos bolinhos de coco e especiarias feitos pela Cristina!
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