O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

2012.06.19 - Plantas (botânica)



A sessão de hoje começou... pela sessão anterior.
Explicando: por falta de tempo na sessão de 5 de Junho, não se chegou a fazer o trabalho de grupo proposto pela Cristina.
Assim, começámos por aí: com poemas de Miguel Torga sobre o tema AVENTURA, a Cristina propôs que em 5 minutos (contados com cronómetro e marcados com apito), cada grupo preparasse uma leitura aventureira. E foi assim que ouvimos os poemas de Torga de formas inesperadas: com saltos, com gritos, em redondo, em fila indiana e até houve quem gaguejasse. Aventuras!

Os poemas:

Ariane

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades…
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades…

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.
Ana Perinhas, Graciete, Ana Brandão, Fernanda


Repto

Aceito o desafio.
Que poeta se nega
A um aceno do acaso?
Tenho o prazo
Acabando,
O que vier é ganho.
Na lonjura
Da última aventura
É que a alma revela o seu tamanho.

Extremo Oriente da inquietação
Lá vou!
A quê, não sei,
Mas lá descobrirei
Que razão me levou.
Lá, onde tanto que me precederam,
Se perderam,
E aprenderam, na perdição
Que só é verdadeiro português
Quem, um dia, a negar a humana pequenez,
Se inventa e se procura
Nas brumas do mar largo e da loucura.
Nazaré, Eugénia, Conceição, Manuel


Ícaro III 

O sol do sonho derreteu-lhe as asas
E caiu lá do céu onde voava
Ao rés-do-chão da vida
A um mar sem ondas onde navegava
A paz rasteira nunca desmentida…

Mas ainda dorida
No seio sedativo da planura,
A alma já lhe pede, impenitente,
A graça urgente
De uma nova aventura.

(sem foto)
João, Isabel, Fernando, Luís, Adília, José Luís



Sísifo

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Helena Barros, Cristina Alves, Ana Paula, Paula, Antónia


Confiança

O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura…
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova…
Cíntia, Anabela, António, Alexandra


de seguida o Fernando apresentou o livro do dia:



onde importa sobremaneira não confundir
género humano com Manuel Germano

Em 1982, o escritor português Mário de Carvalho publica Casos do Beco das Sardinheiras, antologia orgânica composta por onze casos, emoldurados por um “Prólogo” – aparece como “Intróito” na primeira edição (Lisboa: Contra-Regra, 1982) – e um “Epílogo” (Lisboa: Caminho, 1991).

O Beco das Sardinheiras é um Beco como outro qualquer, encafuado na parte velha de Lisboa. Uns dizem que é de Alfama, outros que é já de Mouraria e sustentam as suas opiniões com sólidos argumentos topográficos, abonados pela doutrina de olissiponenses egrégios. Eu, por mim, não me pronuncio. Tenho ideia de que é mais Alfama, mas não ficaria muito escarmentado se me provassem que afinal é Mouraria. Creio que o nome lhe vem das sardinheiras que exibem um carmesim vistoso durante todo o ano, plantadas num canteiro que rompe logo à esquina, não longe da drogaria que já fica na Rua dos Eléctricos.
A gente que habita o Beco é como a demais, nem boa nem má. Tem sobre os outros lisboetas um apego ainda maior ao seu sítio e às suas coisas. Desde há muito que não há memória de que algum dos do Beco tenha emigrado de livre vontade.


A apresentação do livro foi feita com a leitura de um excerto de 3 minutos deste conto:

O tombo da Lua

     Uma ocasião, quando desapareceu a Lua, eu estava lá e sei contar tudo. Não me lembro da idade que então tinha e já na altura me não lembrava. Certo é que a noite estava muito quente e repassada de azul, assim de tinta — sói dizer-se — e a Lua tinha-se quieta, redonda e branca, brilhante como lhe competia. Provavelmente, o Zé Metade cantava o fado, postado à soleira da porta, enquanto acabava um saquitel de tremoços. O Zé Metade é assim chamado desde que lhe aconteceu aquela infelicidade: quis separar o Manecas Canteiro do Mota Cavaleiro quando eles se envolveram à facada na Esquina dos Eléctricos, por causa de uma questão, segundo uns política, segundo outros de saias. Ambos usavam grandes navalhas sevilhanas e o Zé caiu-lhes mesmo a meio dos volteios. Ali ficou cortado em dois, sem conserto, busto para um lado, o resto para outro. Daí para diante ficou conhecido por Zé Metade, arrasta-se num caixote de madeira com rodinhas e deu-lhe para cantar todas as noites um fado melancólico e muito sentido: Ai a profunda desgraça/ Em que me viste ó'nha mãiiii...
     Pois nesta altura, com tudo assim quieto e a fazer olho para dormir, que o Andrade da Mula se chegou à janela e disse: «lá a calari...» e depois remirou em volta a ver se alguém lhe ligava, o que não aconteceu.
     Após, olhou para o céu e bocejou um destes bocejos do tamanho duma casa, escancarando muito a bocarra que era considerada uma das mais competitivas da zona oriental. E então aconteceu aquilo da Lua.
     Deslocou-se um bocadinho, assim como quem se desequilibrou, entrou a descer devagar, ressaltou numa ponta de nuvem que por ali pairava feita parva, e foi enfiar-se inteirinha na boca do Andrade que só fez «gulp» e esbugalhou os olhos muito. No sítio da Lua, lá no astro, ficou um vinco esbranquiçado como dobra em papel de seda que logo se apagou e o céu tornou-se bem liso e escorreito. O Beco ficou um tudo-nada mais escuro e um gato passou a correr, pardo, da cor dos outros. Diz o Zé Metade, no fim duma estrofe:
     — Ina cum caraças!
     Vai o Andrade lá de cima e atira o maior arroto que jamais se ouviu naquele Beco.
    Era o Zé Metade a berrar para dentro: «'nhã mãe, venha cá, senhora, co Andrade engoliu a Lua!» e o Andrade a olhar para nós, limpando a boca com as costas da mão, um ar azamboado.
     Seguiu-se o alvoroço costumeiro sempre que havia novidade. Ia um corrupio de pessoal na rua a falar alto e um ror de gente em casa do Andrade que estava sentado numa cadeira, pernas muito afastadas, pedindo muita água e queixando-se de que sentia a barriga um bocado pesada.
     — Ele não teve culpa, tadinho, que ela é que se lhe veio enfiar pela boca dentro — comentava a mulher do Andrade, torcendo a ponta do avental.
     — Mas se foi ele que a desafiou... — gritava a mãe do Zé dando punhadas de uma mão na palma da outra.
     — Pôr-se ali na janela aos bocejos, olha a farronca! Agora vem esta a querer baralhar género humano com Manuel Germano. O meu Zé viu tudo, óvistes?
     Não tardou, estava o presidente da Junta, muito hirto, no seu casaco de pijama com flores:
     — Isto o meu amigo o que fazia melhor era regurgitar a Lua. ou o Beco ainda fica malvisto — observou com gravidade e voz de papo.
     E o Andrade, moita, ali embasbacado, com os olhos no vago.
    Deram-lhe azeite para o homem vomitar, mas nada. Limitou-se a produzir uns sons equívocos e a esboçar um ar de enjoada repugnância.
    — O pior é que se ela sai pelo outro lado nos parte a sanita nova — abespinhava-se a filha do Andrade, toda de mão na anca. — Que coisa mais escanifobética...
    — É levarem-no já para o hospital — gritava o Zé Metade da rua, ansioso por se ver acompanhado na sua desgraça de vítima do escalpelo cirúrgico.
    Mas o presidente da Junta considerou: então e depois a Lua onde é que a punham? Quem lhes garantia que ela voltava ao sítio? E se os médicos quisessem ficar com ela lá no hospital e a prantassem dentro dum frasco com álcool? Que é que aquela gente ganhava com isso? Hã? E em faltando a Lua, quais eram os inconvenientes? Hã?
     — Acabam-se as marés — disse o Paulinho Marujo.
     — Coisa de pouca monta — afirmou uma mulher. — As marés nunca deram de comer a ninguém. E quanto à luz, depois da electricidade...
    — Então como é que o amigo se sente? — perguntava o presidente ao Andrade.
    — Menos mal, muito obrigado. Vai um pedacinho melhor...
   — Então ficamos antes assim — recomendou o presidente. — Vossemecê agora toma um bicarbonatozinho, um leitinho, e ala para a cama que amanhã é dia de trabalho. E vocês todos, andor, para casa, em ordem, e não se pensa mais em tal semelhante!
     E assim foram fazendo, aos poucos e poucos.
    No dia seguinte, a Humanidade toda estranhou muito o desaparecimento da Lua e deu-se a grandes especulações.
    Era com algum orgulho que a população do Beco via passar o Andrade. Sempre gaiateiro, apenas um pouco mais gordo.

Mário de Carvalho in Casos do Beco das Sardinheiras
Ed. Caminho


De seguida começámos as leituras alusivas ao tema da sessão:


Cristina
Armário de especiarias e ervas aromáticas

Cerefólio, manjerona
malagueta, benjoim
noz moscada, cardamomo
salsa, sândalo, alecrim

erva doce, piripiri
cravinho, canela em pau
gengibre, menta, tomilho
pimpinela, colorau

mostarda, pó de chili
salva, cominhos, pimenta
basílico, salsifri

zimbro, funcho, açafrão
oregãos, coentros, caril
azedas, louro, estragão

Jorge Sousa Braga
de O poeta nu (poesia reunida)


Alexandra, António, Anabela e Cíntia
leram uma versão em português do Brasil da

Ode à alcachofra

A alcachofra
de terno coração,
vestiu-se de guerreiro,
ereta, construiu
uma pequena cúpula,
se manteve
impermeável sob suas escamas,
do seu lado
os vegetais loucos
encresparam-se,
fizeram-se juncos
bulbos comovedores,
no subsolo
dormiu a cenoura
de bigodes vermelhos,
o vinhedo
ressecou os sarmentos
por onde sobe o vinho,
o alface
dedicou-se a experimentar saias,
o orégano
a perfumar o mundo,
e a doce alcachofra
ali na horta,
vestida de guerreiro,
brilhosa
como uma granada,
orgulhosa,
e um dia
uma com outra
em grandes cestos
de vime, caminhou
pelo mercado
a realizar o seu sonho:
a milícia.
Em fileiras
nunca foi tão marcial
como na feira,
os homens
entre legumes
com suas camisas brancas
eram
mariscais
das alcachofras,
as filas apertadas,
as vozes de comando,
e a detonação
de um caixote que cai,
mas
então vem
Maria
com seu cesto
escolhe
uma alcachofra,
não lhe teme,
a examina,
a observa
contra a luz
como se fosse um ovo,
a compra,
a confunde na sua bolsa
com um par de sapatos,
com um repolho e uma
garrafa
de vinagre
até
que entrando na cozinha
a submerge na panela.
Assim termina
em paz
esta ocupação
de vegetal armado
que se chama alcachofra,
logo
escama por escama
desvestimos
a delícia
e comemos a pacífica pasta
do seu coração verde.

Pablo Neruda
de Odes elementares


Paula Macedo
Excerto de Marilyn Monroe - A última sessão
de  Bert Stern


Ana Perinhas e Cristina Alves
leram dois poemas de João Barbosa

Buganvílias
de
Visíveis a olho nu

Pele da terra 
de
Memórias da terra



Helena Barros
leu dois poemas de Jorge Sousa Braga

Erva daninha

Sou uma erva daninha.
Nem princesa, nem rainha.

Não tenho eira nem beira.
Nem ninguém que me queira.

Comigo ninguém se importa.
Todos me querem ver morta.

Sei que sou amaldiçoada.
porque não sirvo pra nada.

Mas a culpa não é minha,
de ser uma erva daninha.

Inventaram o herbicida,
pra me complicar a vida.

Mas isto não fica assim.
Vamos ver quem ri por fim.

Nem princesa nem rainha.
Sou uma erva daninha.


Raízes

Quem me dera ter raízes,
que me prendessem ao chão.
Que não me deixassem dar
um passo que fosse em vão.

Que me deixassem crescer
silencioso e erecto,
como um pinheiro de riga,
uma faia ou um abeto.

Quem me dera ter raízes,
raízes em vez de pés.
Como o lódão, o aloendro,
o ácer e o aloés.

Sentir a copa vergar,
quando passasse um tufão.
E ficar bem agarrado,
pelas raízes, ao chão.

Jorge Sousa Braga
de Herbário


Antónia
Excerto de Pássaros de Seda
de Rosa Lobato de Faria


Ana Paula
leu-nos Trevo do livro Plantas e Flores
de Odete L. Nogueira


José Luís
leu a introdução do Guia Prático das Plantas Aromáticas
de Lesley Bremness


Adília
História da Planta



A raiz:
Do mundo não vejo nada,
Pois vivo sempre enterrada,
Mas não me entristeço, não,
Seguro a planta e a sustento
Sugando água e alimento.

O caule:
Sou tronco que levanta
E estende para os espaços
Braços, braços e braços
Colhendo a luz para a planta.

A folha:
Da planta sou o pulmão
Mas além de respirar,
Roubo energia solar.

A flor:
Sou a mãe da vegetação
e me perfumo e me enfeito
para criar em meu peito
plantinhas que nascerão.

O fruto:
Sou o cálice da flor,
Que inchou e ficou maduro
Pela força do calor
E guardo em mim, com amor,
As plantinhas do futuro.

de Ofélia e Narbal Fontes


Luís
Excerto O livro do chá
de Edith Vieira Phillips


Isabel

Poema das Árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.

António Gedeão


Excerto de Na Rota da Pimenta
de Theresa Schedel


Excerto de Chás Medicinais
de Ceres Esplan


também leu um excerto de Chás Medicinais
de Ceres Esplan


leram O jardim botânico
de sua autoria


de Francisco Moita Flores





Graciete
Uma história


A brisa dizia à rosa:
- “Dá, formosa,
Dá-me, linda, o teu amor;
Deixa eu dormir no teu seio
Sem receio,
Sem receio, minha flor!
De tarde virei da selva
Sobre a relva
Os meus suspiros te dar;
E de noite na corrente
Mansamente,
Mansamente me embalar!”
E a rosa dizia à brisa:
- “Não precisa
Meu seio dos beijos teus;
Não te adoro... és inconstante...
Outro amante,
Outro amante aos sonhos meus!
Tu passas de noite e dia
Sem poesia
A repetir-me os teus ais;
Não te adoro... quero o Norte
Que é mais forte,
Que é mais forte e eu o amo mais!”
No outro dia a pobre rosa
Tão vaidosa
No hastil se debruçou;
Pobre dela! - Teve a morte
Porque o Norte,
Porque o Norte a desfolhou!...

Casimiro de Abreu
de As Primaveras


a Cristina leu outro poema de Jorge de Sousa Braga

O apanhador de cogumelos


O mais difícil não é distinguir
entre um boleto pão-de-ló e um

boleto-de-satanás o mais difícil
não é andar quilómetros e quiló-

metros por uma floresta e chegar
ao fim com os pés enxutos

O mais difícil é não sucumbir
à beleza desse mundo que se

alimenta de detritos em putre-
facção e onde não há flores

nem frutos.

Jorge de Sousa Braga
de O poeta nú

música - FSOL
sonoplastia - Fernando Ladeira


agora sim temos a caderneta completa:

Sem comentários:

Enviar um comentário