a Cristina começou por ler um poema inédito, escrito recentemente na residência literária da Foz do Cobrão, inserida no evento "Poesia, um dia" da Biblioteca Municipal José Baptista Martins de Vila Velha de Ródão, da autoria |
Poema Ingénuo comprometido
15 se setembro 2012
O que é um país à procura de futuro?
Coitado de um país que procura um futuro
e só encontra muros e cinza.
Um país sem luz, sem geografia,
com uma mágoa metida no tronco.
Um país doente que rói os ossos
e bebe água por um tubo pequeno.
Um país invadido por um deserto,
sem palavras, um país final.
O que é um país à procura de futuro?
Um país que se levanta inteiro
numa tarde quente.
a Helena e Eugénia leram "Assembleia dos Ratos" de Esopo |
a Antónia leu a versão de Bocage da "A cigarra e a formiga" de La Fontaine |
Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o Verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga
Que morava perto dela.
Rogou-lhe que lhe emprestasse,
pois tinha riqueza e brio,
Algum grão com que manter-se
'Té voltar o aceso Estio.
- Amiga - diz a cigarra -,
Prometo, a fé de animal,
Pagar-vos, antes de Agosto,
Os juros e o principal.
A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
- No Verão em que lidavas? -
À pedinte, ela pergunta.
Responde a outra: - eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
- oh! Bravo! - torna a formiga. -
Cantavas? Pois dança agora!
a Cristina leu "Velha fábula em bossa nova" de Alexandre O´Neill |
Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.
Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.
Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.
Assim devera eu ser
se não fora
não querer.
(- Obrigado, formiga!
Mas a palha não cabe
onde você sabe...)
a Fernanda, a Cristina, a Graciete e a Helena, leram "Aos Poetas" de Miguel Torga |
Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos…
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar…
Somos nós e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem mas ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.
E vos digo e conjuro que canteis,
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.
Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.
Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.
a Ana leu o "Canguru marinheiro" de autor desconhecido |
a Ana Maria leu-nos um excerto do livro "Alice no país da alimentação" de Nuno Cardoso Dias, que vai ser publicado pela Associação de diabéticos de S. Miguel e Sta Maria |
a Isabel leu "O carvalho e o caniço" de La Fontaine |
a Helena leu um excerto de "Fernão Capelo Gaivota" de Richard Bach |
a Adília leu "O rato do campo e o rato da cidade" de Esopo |
O rato da cidade e o do campo.
Um rato que morava na cidade, foi dar
um passeio ao campo. Recebeu‐o um amigo que o levou para os seus
palácios subterrâneos, e deu‐lhe um banquete de ervas e raízes.
Maldizendo em presença de tais iguarias a louca lembrança do seu
rústico passeio, o rato da cidade, obrigado a jejuar, disse por fim:
"Amigo, tenho dó de ti; como te
podes resignar a semelhante vida? vem comigo para a cidade, verás o
que é fartura, o que é viver. O outro aceitou. À noitinha estavam
ambos numa bela e rica residência, com uma rica dispensa; queijos,
lombos, o perfumado toucinho, tudo os incitava; desforrando ‐se de
sua longa dieta, o rato do campo regalava‐se. De súbito range a
porta, entra o despenseiro: vem com ele dois gatos.
O rato da casa achou logo o seu buraco;
o hóspede, ‐ sobressaltado, pulando de prateleira em prateleira,
mal escapou com a vida, e despedindo‐se do amigo: "Adeus,
camarada, disse, ficai‐vos com as
vossas farturas; mais vale magro e faminto no mato, do que gordo na
boca do gato.
MORAL DA HISTÓRIA.
‐ Sem sossego e paz de espírito de
que valem os outros bens?
o António leu excertos de "A cozinha canibal" de Roland Topor |
o Fernando leu "O imperador Ho Sin" de Woody Allen |
O imperador Ho Sin teve um sonho em que contemplava um palácio maior que o seu e cuja renda era metade da sua. Ao atravessar os portais do edifício, Ho Sin verificou subitamente que o seu corpo voltava a ser jovem, embora a cabeça permanecesse entre os sessenta e cinco e os setenta anos. Ao abrir uma porta, deu com outra porta, que dava para outra; em breve se deu conta de que tinha cruzado cem portas e que se encontrava agora num pátio das traseiras.
Quando Ho Sin já se sentia no limiar do desespero, um rouxinol pousou-lhe no ombro e cantou a mais bela canção que lhe fora dado ouvir e depois bicou-lhe no nariz. Escarmentado, Ho Sin viu-se a um espelho e, em vez de contemplar o seu próprio reflexo, viu um homem chamado Mendel Goldblatt, que trabalhava na Fábrica de Bombas Wasserman, que o acusou de lhe ter roubado o sobretudo.
Graças a isto, Ho Sin descobriu o segredo da vida, que era «Nunca cantes melodias tirolesas».
a Alexandra leu "A menina do capuchinho vermelho" de Roald Dahl de Histórias em versos para meninos perversos |
«Como estou farto de fazer de bobo!»
Disse, cheio de fome, o senhor lobo.
«Há quatro dias que não trinco osso,
A avozinha vai ser o meu almoço.»
Quando a avozinha lhe abriu a porta
Com o susto tremeu e, meia morta,
Fitou aqueles dentes a brilhar.
«Ai, que o malvado me quer devorar!»
A pobre senhora tinha razão
Porque ele a comeu com sofreguidão.
A avozinha era pequena e dura,
O almoço não foi uma fartura.
«Ai, estou com uma fome aterradora,
Pronto para comer outra senhora.»
Foi procurar petiscos na cozinha
Mas nada para roer o bicho tinha.
«Vou-me sentar no colchão de folhelho
À espera do Capuchinho Vermelho.»
Disse o lobo enquanto se vestia
Com as roupas que por ali havia.
Saia de seda, botas de verniz,
Chapéu de veludo foi o que quis.
Escovou o pelo, as garras pintou,
Bem disfarçado assim se sentou.
Um pouco depois, em passo apressado,
A moça chegou, toda de encarnado.
«Ó minha avozinha, quero saber,
As tuas orelhas estão a crescer?»
«Sim, minha neta, para melhor te ouvir.»
«Que grandes olhos tens, querida avó»,
Disse a menina cheia de dó.
«São para melhor te ver», disse o lobo
E pôs-se a pensar: «Não sou nenhum bobo,
Esta bela menina vou papar,
Que bom petisco para o meu jantar.
Vai saber-me que nem um pão de ló,
Não é velha nem dura como a avó.»
«Mas avozinha», disse a menina,
Tens um casaco de pele tão fina.»
«Não», disse o lobo, «Deves perguntar
Por que são meus dentes de espantar.
Bem, digas tu o que disseres
Como-te sem prato nem talheres.»
A menina sorriu. Da camisola
Sacou de imediato uma pistola
E com uma certeira pontaria
Pum, pum, pum, aquele lobo morria.
Passaram os dias, passou um mês,
Vi a menina no bosque outra vez,
Mas sem o capuz, sem capa encarnada,
Toda diferente, toda mudada.
Sorrindo me explicou: «Daquele bobo
Fiz este casaco de pele de lobo».
a Ana Paula leu "Como o sr de La Fontaine puxa as orelhas à república dos homens pondo a falar o reino dos animais" de "100 fábulas de La Fontaine" antologia de José Viale Moutinho |
o nosso público leu "A lebre e a tartaruga" |
entretanto fomos à procura de um trovisco |
porque o Miguel tinha uma fábula para nos ler sobre esta planta |
“O trovisco, Daphne gnidium, como muitas outras plantas, colhia-se preferencialmente na noite de S. João porque nessa noite tinha maiores poderes mágicos.
Considerava-se que seria um amuleto eficaz contra os esconjuros e acreditava-se que servia de proteção contra as bruxas.
Utilizava-se para combater as sezões que provocavam arreliadoras febres intermitentes.
Para que produzisse efeito, era imprescindível seguir um costume tradicional recolhido por Francisco Rodriguez Marín.
O alquebrado das febres procurava uma moita de trovisco e quando a encontrava, saudava-a como se tratasse de uma pessoa-
- Olá senhor Trovisco, quero-lhe dar conhecimento de que sofro de sezões e venho aqui para as deixar. De modo que já sabe!
Após saudar a planta tão cortesmente, o paciente pisava-a, golpeava-a e torcia-a. Depois afastava-se uns metros e acercava-se de novo, dizendo:
- Senhor Trovisco esta foi a primeira vez! Se as sezões não me deixarem, volto de novo e o senhor vai inteirar-se disso.
Feita a ameaça e cumprido o ritual, eis que a crença e a transmissão magnética com efeitos curativos, levavam a que o paciente ficasse supostamente curado.”
tradução de Miguel Boieiro; livre e pessoal do que vem no Diccionário de Plantas Curativas de la Península Ibérica de Enric Balasch e Yolanda Ruiz – edição Servilibro de Madrid
Terminadas as Fábulas
a Isabel leu-nos um excerto da sua sugestão para livro do dia, "Abraço" de José Luís Peixoto |
e pronto
já se sabe que o ar do campo dá fome |
e mesmo ao fechar do pano, fomos convidados a visitar uns inquilinos especiais do Pinhal das Areias
"Platero é pequeno, peludo, suave; tão macio, que dir-se-ia todo de algodão, que não tem ossos. Só os espelhos de azeviche dos seus olhos são duros como dois escaravelhos de cristal negro. Deixo-o solto, e vai para o prado, e acaricia levemente com o focinho, mal as roçando, as florinhas róseas, azuis-celestes e amarelas... Chamo-o docemente: «Platero», e ele vem até mim com um trote curto e alegre que parece rir em não sei que guizalhar ideal...Come o que lhe dou. Gosta das tangerinas, das uvas moscatéis, todas de âmbar, dos figos roxos, com sua cristalina gotita de mel... É terno e mimoso como um menino, como uma menina...; mas forte e seco como de pedra. Quando nele passo, aos domingos, pelas últimas ruelas da aldeia, os camponeses, vestidos de lavado e vagarosos, param a olhá-lo:— Tem aço...Tem aço. Aço e prata de luar, ao mesmo tempo."
Juan Ramón Jiménez
de “Platero e eu”
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