O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

Hoje

hoje foi a última sessão antes das férias

período antes da "ordem do dia"

em grupos, apresentámos várias propostas para um poema de Alexandre O´Neill

          JÁ

    já     não é hoje ?
            não é aquioje?

    já      foi ontem?
            será amanhã?

    já    quandonde foi?
           quandonde será?

           eu queria um jàzinho que fosse
           aquijá
           tuoje aquijá.

a Antónia foi à descoberta de Diderot e leu-nos um excerto de "A religiosa"


e as leituras subordinadas ao tema do dia:


a Cristina leu a "Ode ao dia feliz" de Pablo Neruda

Esta vez deixai-me
ser feliz,
não se passou nada com ninguém,
não estou em parte alguma,
sucede unicamente
que sou feliz
pelos quatro costados
do coração, andando
dormindo ou escrevendo.
Que vou fazer, sou
feliz,
sou mais inumerável
do que as ervas
nos prados,
sinto a pele como uma árvore rugosa
e a água em baixo,
os pássaros em cima,
o mar como um anel
na minha cinta,
feita de pão e de pedras a terra,
o ar canta como uma guitarra.

Tu, a meu lado sobre a areia,
és areia,
tu cantas e és canto,
o mundo
é hoje a minha alma
canto e areia,
o mundo
é hoje a tua boca,
deixai-me
na tua boca e no areal
ser feliz,
ser feliz porque sim, porque respiro
e tu respiras,
ser feliz porque toco
o teu joelho
e é como se tocasse
a pele azul do céu
e o seu frescor.

Hoje deixai-me
a mim só
ser feliz,
com todos ou sem todos,
ser feliz
com as ervas
e a areia,
ser feliz,
contigo, com a tua boca,
ser feliz.

de Antologia
tradução de José Bento
Ed. Relógio D' Água


a Graciete leu "Intermezzo" de António Gedeão

Hoje não posso ver ninguém:
Sofro pela Humanidade
Não é por ti.
Nem por ti.
Nem por ti.
Nem por ninguém.
É por alguém.
Alguém que não é ninguém
mas que é toda a Humanidade.


e também "Hoje vim para a rua..." de José Gomes Ferreira

Hoje vim para a rua
de cabeça levantada
- desdém de frutos mordidos.

Eu, o príncipe dos dias lúcidos
que dei os olhos ao sol
para de lá ver melhor o mundo
- onde os corações dos presos nos subterrâneos
tecem a luz própria da Terra
com o sexo das pedras e da lama.

de Poeta Militante (2º Volume)
Ed. Moraes Editores


a Cristina veio com a Natalina e leram "O valor do vento" de Ruy Belo

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto









o João leu-nos algumas citações  de Agostinho da Silva

História
O que nos interessa sobretudo na História seria dar conteúdo actual, ou melhor, conteúdo eterno ao que acaba por aparecer como um empoeirado, como um arqueológico episódio do passado.
As Aproximações

A História vai ser simples quando for entendida; o homem vai ser humilde quando entender a História; quando ela, para ser entendida, se tiver feito geometria.
As Aproximações

Historiador
O bom historiador escreve do passado, criticando o presente e projectando o futuro. Toda a História que vale é do futuro.


o Fernando leu "Estação" de Mário Cesariny


a Ana Maria leu um excerto de "Mr. Finney e o mundo de pernas para o ar" de Laurentien Van Oranje & Sieb Posthuma


a Cíntia leu "O primeiro dia" de Sérgio Godinho


a Alexandra e a Mila leram excertos de "O dia da criação" de Vinícius de Moraes


a Rosa leu algumas frases de Chico Xavier


o António leu "Uma vida de cão" de Alexandre O'Neill

Não
não é a poesia caixa de música
ou a poesia piolho místico enterrado no sebo destes dias
ou qualquer outra
que podem dissolver a tua alma
tão problemática
no vinho da beatitude

Ah
o «mistério» da poesia a poesia
técnica da confusão
a capelista poética e os primeiros fregueses
ainda a medo ainda receosos
de te pedirem a Dor em alfinetes que não tenhas
logo ali à mão

E quando dizes «Poesia» eu tenho nojo
aquele nojo violento que me dá
o olhar furtivo a atenção desatenta
dos que se demoram nos lavabos nas salas dos cinemas
de mãos distraídas procurando
a solução da noite

Instalaram-se em ti
a mesma contracção suspeita
a mesma hipocrisia o mesmo sobressalto
a mesma curva obscena
que o olhar descreve
goza
e disfarça

Quando dizes «Poesia» dizes medo
dizes família tradição classe
e a vida de cão que te esperava
e que é hoje a tua vida a tua «transcendente» vida de cão

•••

Ensinaram-te palavras que pareciam
prontas a derrotar quem as ouvisse
ensinaram-te gestos para elas
e a tal ponto te humilharam
que te puseram de pé
limpo
inteligente
e aprumado

Pronto a seguir
seguiste
e agora estás aqui
estás aqui pois claro
angustiado e iludido
mas deliciado

•••

Até aos últimos arcanos
cafés e leitarias
seguiste André Breton
ou a sombra dele
e a aventura mental que procurava
um sinal exterior
um estilhaço vivo do acaso
a Nadja lisboeta que salvasse
ou a noite ou a vida
acabou em “bons” poemas “maus” poemas
em palavras e palavras

E coberto de palavras enterrado
numa terra de murmúrios de gemidos
teu coração já nada faz mover
senão moinhos de palavras
e “a dor é grande” dizes tu
“mas sublime”

•••

Mas não sou eu que te lamento
Os teus mitos esperam-te
já impacientes

Agora põe-te a andar
agora passa por cá daqui a uns anos

Talvez me encontres
talvez possa fazer qualquer coisa por ti
qualquer coisa simples
quase inútil
quase ridícula
oferecer-te uma sílaba
um conselho

um cigarro



a Helena leu "Todas as cartas de amor são..." de Álvaro de Campos

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se ha amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as creaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memorias
D´essas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdruxulas,
Como os sentimentos esdruxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

21-10-1935 






e para terminar provámos mais uma vez que ler em voz alta não engorda

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