a Graciete apresentou o seu livro do dia O prazer de não trabalhar de Ernie J. Zelinski |
a Mariana e o António leram Segue o teu destino... de Ricardo Reis |
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-proprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
de "Odes"
a Antónia leu Luz entre sombras de Machado de Assis |
É noite medonha e escura,
Muda como o passamento*
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.
Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.
Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.
No entanto...minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.
de "Falenas"
a Eugénia leu um texto de sua autoria |
a Cristina e a Helena leram A sombra de Eurídice de Teixeira de Pascoaes |
I
Canção divina as cousas comovia,
E de ternura as árvores choravam ...
E lembrava o luar a luz do dia
E os ribeiros, extáticos, paravam.
Era Orfeu, de inspirado, que descia
Às entranhas da terra! E se afundavam
Os seus olhos na noite, muda e fria,
Onde as pálidas sombras vagueavam.
Eurídice, o seu morto e triste amor,
Ouvindo-o, tomou forma e viva cor,
Íntima luz à face lhe subiu ...
Mas Orfeu, pobre amante enlouquecido,
Quis ver aquele corpo estremecido ...
E, outra vez sombra, Eurídice fugiu ...
II
Ai dos que vêem as cousas da Natura
Com este olhar da Carne, escuridão,
Que tudo nos transtorna e desfigura,
Nem mostra o mundo e o céu como eles são!
Com este olhar de trágica amargura
— Torva luz de delírio e confusão!
Que nos faz ver, brutal e tosca e dura,
A sensível e viva Criação!
Ó desgraçada luz, que só revelas
A face tenebrosa das estrelas
E a nossa pobre sombra, entregue à sorte ...
Candeia, onde é o azeite água dorida,
Não nos mostras o mundo em alma e vida,
Mas em lívido corpo e negra morte!
de "As sombras"
a Graciete e a Fernanda leram Canção da tarde no campo de Cecília Meireles |
Caminho do campo verde,
estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.
(Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.)
Meus pés vão pisando a terra
que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!
(Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a flor é minha.)
Os meus passos no caminho
são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo
minha alma é a sombra da tua.
(Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.)
De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.
(Eu ando sozinha,
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.)
a Vitória também leu Segue o teu destino... de Ricardo Reis |
o João leu Noite Escandinava de Mia Couto de "Tradutor de Chuvas" |
a Alexandra leu de Fernando Pessoa |
A Múmia
I
Andei léguas de sombra
Dentro em meu pensamento.
Floresceu às avessas
Meu ócio com sem-nexo,
E apagaram-me as lâmpadas
Na alcova cambaleante.
Tudo prestes se volve
Um deserto macio
Visto pelo meu tacto
Dos veludos da alcova,
Não pela minha vista.
Há um oásis no Incerto
E, como uma suspeita
De luz por não-há-frinchas,
Passa uma caravana.
Esquece-me de súbito
Como é o espaço, e o tempo
Em vez de horizontal
É vertical.
A alcova
Desce não sei por onde
Até não me encontrar
Ascende um leve fumo
Das minhas sensações.
Deixo de me incluir
Dentro de mim. Não há
Cá-dentro nem lá-fora.
E o deserto está agora
Virado para baixo.
A noção de mover-me
Esqueceu-se do meu nome.
Na alma meu corpo pesa-me.
Sinto-me um reposteiro
Pendurado na sala
Onde jaz alguém morto.
Qualquer coisa caiu
E tiniu no infinito.
de "Poesias"
o António leu de Ana Hatherly |
A beleza deste ocaso
esplêndido
afoga
fascina
oprime
A sombra avança
lança
me
em
braços
vazios
de "Rilkeana"
a Anabela leu um excerto de "Maktub" de Paulo Coelho |
o Fernando e a Cristina leram |
Sócrates: Imagina homens que vivem numa espécie de morada subterrânea em forma de caverna. A entrada abre para a luz, em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz vem-lhes de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagina que esse caminho é cortado por um pequeno muro (…)
Glauco: Entendo.
Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagina homens que carregam todo o tipo de objectos fabricados, ultrapassando a altura do muro, estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. (...)
Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!
Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro pensa se, na situação deles, eles terão visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos, que o fogo projecta na parede da caverna à sua frente?
Glauco: Como seria isso possível, se durante toda a vida eles estão condenados a ficar com a cabeça imóvel?
Sócrates: Não acontece o mesmo com os objectos que desfilam?
Glauco: É claro.
Sócrates: Então, se eles pudessem conversar, não achas que, nomeando as sombras que vêem, pensariam nomear seres reais? (…)
Glauco: Sim, por Zeus.
Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objectos fabricados.
Glauco: Não poderia ser de outra forma.
Sócrates: Vê agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas correntes e curados da sua ignorância.
de A alegoria da caverna , República, Livro VII , Platão
Quando renasci, junto às muralhas, havia uma grande multidão comentando o enigma do universo emergente. Passaram-se os séculos e nunca ninguém mais pensou no caso.
Um dia veio um homem e arrastava atrás de si um prado, com besouros e papoulas. Ninguém comprou.
De casa em casa, fui vendo o desinteresse dos meus concidadãos por tudo. E nem estavam a envelhecer.
Nessa altura decidi partir, para ficar onde era útil. Comecei a escavar um buraco fundo no chão, mesmo a meio da praça central. Alguém me disse:
- Tem-te, não acordes os mineiros que lá em baixo buscam a saída.
Me transformei em nós, muitos, e ocupámos a cidade. Então alguns diziam: «Bem hajam» e outros «hajam bem». Aí criámos uma forte camada de bolores e cogumelos e alguns crustáceos, clandestinamente.
- Fazia falta era um mar - disse um. Foi este que nos ensinou o riso.
Outro trouxe um livro e disse:
- Que fazer?
Foi a debandada.
de Fabulário de Mário de Carvalho
a Cristina ainda nos falou do autor desconhecido que escreveu "A voz de Lila" livro do dia neste mesmo clube em 2010 |
e porque a noite estava fria acabámos a comer e a beber |
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