o António Soares está lesionado mas esteve presente na mesma e leu um excerto de |
"Este é o teu reino"
Na verdade, a tormenta foi um pretexto: tinha uma grande necessidade de refugiar-se em casa. Mercedes chegou da Câmara no momento em que Merengue abria o portão para entrar no vestíbulo com o carrinho dos pastéis. Quando Mercedes entrou em casa, viu a sua irmã na penumbra, com o queixo enterrado no peito. Correu para ela, pensando que tinha sofrido uma recaída da sua enfermidade. E Marta afastou-a ligeiramente. Porque estás às escuras?, perguntou Mercedes. A irmã sorriu: Que falta me faz a luz? Está a chover? Mercedes disse que não e deixou-se cair na outra poltrona, percebendo que estava cansada. E Melissa saíu ao terraço, com Morales pela mão. Saíu a sorrir, feliz com a inevitável chegada da tormenta. Do alto da sua posição privilegiada divisou o tio Rolo, que estava na galeria. Percebeu maliciosamente que o presságio da tormenta não o tornava feliz como ela. E, como era de esperar, riu, riu com vontade, porque Melissa é assim e não há maneira de a entender. E Melissa tinha razão: a tarde deixou triste o tio Rolo ou como ele diria, desculpando-se, provocou-lhe “dores vagas nos músculos e profundas tristezas na alma”. Sem fechar a livraria (terá sido na verdade um esquecimento?), o tio Rolo saíra para observar a Ilha. No preciso instante em que Melissa o viu ele viu Lúcio acariciando as coxas do Apolo del Belvedere que está mesmo atrás da antepara do vestíbulo.
Abilio Estévez
a Ana leu um excerto de "A morgadinha dos canaviais" de Júlio Dinis |
a Mila leu um excerto de "O conquistador" de Almeida Faria |
a Antónia leu um excerto de "Davy Crockett" de Enid Lamonte Meadowcroft |
a Helena veio prevenida e leu "Temporal" de João Manuel Ribeiro e |
Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Ó vento que vais,
Vai devagarinho.
Ó chuva que cais,
Mas cai de mansinho.
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Muito de mansinho
Em meu coração.
Já não tenho lenha,
Nem tenho carvão...
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Que canto tão frio
Que canto tão terno,
O canto da água,
O canto do Inverno...
Pingue...
Que triste lamento,
Embora tão terno,
O canto do vento,
O canto do Inverno...
Vu...
E os pássaros cantam
E as nuvens levantam!
Matilde Rosa Araújo
de O Livro da Tila
a Eugénia leu um excerto de "Esteiros" de Soeiro Pereira Gomes |
a Rosa leu |
Tempestade
– Menino, vem para dentro,
Olha a chuva lá na serra,
Olha como vem o vento!
– Ah! Como a chuva é bonita
E como o vento é valente!
– Não sejas doido, menino,
Esse vento te carrega,
Essa chuva te derrete!
– Eu não sou feito de açúcar
Para derreter na chuva.
Eu tenho força nas pernas
Para lutar contra o vento!
E enquanto o vento soprava
E enquanto a chuva caía,
Que nem um pinto molhado,
Teimoso como ele só:
– Gosto de chuva com vento,
Gosto de vento com chuva!
Henriqueta Lisboa
a Vitória leu |
Dizem, meu amor, que neste inverno os ventos
passarão a mão pela seara e levarão o trigo;
que os dias serão escuros e frios - e tão curtos
que neles não caberá paixão alguma, por pequena
que seja. Contam que punhais de chuva se abaterão
sobre os pomares; e que as árvores crescerão
como feixes de serpentes, procurando ganhar
desesperadamente o céu. E acrescentam que
os pássaros adivinham tudo isto e que por isso
se calam de manhã - ouço-os bater as asas
num aceno triste; partem para o sul, dizem,
se dizem a verdade.
Só a casa ficará de pé a olhar a planície. E
dentro dela os sonhos e as recordações do verão -
retratos dos lugares que nunca visitámos, uma camisa
de linho no espaldar da cadeira, um livro para sempre
interrompido sobre a cama. Ouvíamos uma canção triste
na grafonola velha. Dançaríamos o ano inteiro, disseram
uma noite ao ver-nos atravessar a sombra da luar.
Ignoravam, então, o inverno.
Maria do Rosário Pedreira
de Poesia Reunida
a Anabela e a Alexandra leram |
O Guarda-Chuva
não há guarda-chuva
contra o poema
João Cabral de Melo Neto
Chovem protestos palavras
dramaturgos e profetas
a chuva dos manifestos
fecunda a horta das letras.
Chovem bátegas de sílabas
chovem doutrinas e tretas
chovem ismos algarismos
que numeram os poetas.
Chovem ciências ocultas
chovem ciências concretas
e nascem alfaces cultas
para poemas-dietas.
Chovem tiros de espingarda
chovem pragas e lamentos
e cresce a couve lombarda
nos quintais do sentimento.
Chove granizo política
dum céu carranca cinzento
constipa-se logo a crítica
que se mete para dentro.
Chovem as poetisas símias
da menina flor dos olhos
surgem canteiros de zínias
salpicados de repolhos.
Chovem as mulheres-a-dias
com os sonetos nas curvas
lavadeiras de poesia
em barrela de águas turvas.
Chove uma chuva de pedra
chovem astros em cardume
há uma erva que medra
com este estrume de lume.
Medra a erva do talento
medra a baga do azedume
não há erva que não medre
nas estufas do ciúme.
Chove uma chuva miúda
que é chuva de molha-tolos
sai o poema taluda
e saem rimas nos bolos.
Para o poeta que chova
por dentro, em razão inversa,
forçoso é ter guarda-chuva
contra a palavra perversa
que foi um chão que deu uva
e hoje só dá conversa.
José Carlos Ary dos Santos
a Cristina leu um excerto de "Deserto" de J. M. G. Le Clézio |
o Fernando leu |
Noite, Dia
Escuta.
É uma cidade de chuva
embrulhada no seu vento
na sua água
uma cidade de vento
embrulhada na água da sua chuva
uma cidade de água
embrulhada na sua névoa
uma cidade de névoa
embrulhada no seu vento
na sua água
na sua noite
onde o sol acorda de manhã
seca a água
varre a névoa
e pede ao vento
com toda a habilidade:
- Por favor, vai brincar
para outra cidade.
João Pedro Mésseder
de "Versos com reversos"
a Eugénia falou-nos de "Vai onde te leva o coração" de Susanna Tamaro |
e para terminar em beleza
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