O antigo Clube de Leitura em Voz Alta deu lugar ao Coro de Leitura em Voz Alta. Tem normalmente um periodicidade quinzenal e acontece na Biblioteca de Alcochete.

Os objectivos continuam a ser os mesmos; promover o prazer da leitura partilhada; a forma passou a ser outra.

22 de Março 2011 - Gastronomia

Para celebrar o primeiro aniversário do CLeVA juntámo-nos à roda da gastronomia. O ponto de encontro foi o restaurante "Âncora", em Alcochete.


Mariana e Cecília


Excertos de "Chocolate" de Joan Harris e "Chocolate: histórias para lar e chorar por mais" de vários autores
O texto pode ser encontrado aqui


João, Isabel, Helena P. e António





Vou dizer qual é a diferença entre a uva e o beijo;
da uva nasce o vinho e do beijo nasce o amor.
Mas, se o melhor do amor é doar-se inteiramente,
porém, cuidado com o vinho, mesmo que gostoso.
Comparar os dois não é coincidência, já que um
como o outro, quando com abuso, o resultado,
pode crer, é desastroso. Mas, não dispenso
o vinho e tampouco o amor, pois os dois
me levam ao verdadeiro …paraíso.
Abusar eu sei que não posso,
principalmente se devo
conduzir…O que
posso é
fazer
um
tin,
tin,
por
uma,
ou duas
vezes, ainda mais
quando estou em companhia dela!
quando estou em companhia dele!




Rodrigo



"O aniversário do papá" in "Eu sou o Maior" de Goscinny e Sempé

Teresa



"O ovo da galinha" de António Torrado

Faltam ovos na cozinha
Não há ovos para o doce.
"Alto lá" disse a galinha
"Ponho um ovo e acabou-se."

"Ponho um ovo e acabou-se.
Amassado com farinha,
se não chega para o doce,
vão dizer que a culpa é minha."

"Vão dizer que a culpa é minha.
Vão dizer: ela baldou-se.
Vão dizer: esta galinha
proibiu que houvesse doce."

"Proibiu que houvesse doce.
Foi tacanha, foi mesquinha.
Nem que fosse! Nem que fosse!",
cacarejou a galinha.

Cacarejou a galinha
e espremeu-se e esforçou-se.
E pôs um ovo que tinha
mais valor que muito doce.

Mais valor que muito doce,
que mil ovos de galinha:
era de oiro e acabou-se
a miséria na cozinha.


Helena R.


Receita de Mulher de Vinicius de Morais

Augusto


De autor desconhecido...

Poesia de cozinha

Bolo de mel com noz,
Regado com calda de laranja,
Vitamina C para a voz,
Enfeitado por cascas em franja.

Uns estaladiços flocos de aveia,
Com iogurte de frutos tropicais,
Orientam a fome até à ceia
E até desarranjos intestinais.

Ao almoço o cozido de carnes gordas
Bem temperado e a tintinho regado,
Para outros ficam as açordas
Com coentros e ovo escalfado.

A tarde é de sopas e descanso,
Rebate-se com café a comida,
O aperitivo para afogar o ganso
E uma estiradinha bem merecida.

Ao lanche, após a cómoda sesta
Umas bolachinhas com manteiga,
Um pouco de leite que ainda resta
E uma frutinha doce e meiga.

Um belo filete de atum grelhado
Acompanhado de frescos bróculos,
A fazer de petisco ajantarado
Com vinho e alguns ósculos.

Só um cálice de um bom Porto,
Base de amena cavaqueira,
Pouco para não ficar torto
E bem juntinho à lareira.


Fernando
(lá se escapou o fotógrafo da foto, mais uma vez...)

Pão de Russel Edson

Gosto de pão bonito. Pão que apetece. O tipo de pão que encontramos em sonhos de fome...Sucede que um dia conheci um desses pães. Tinha batido a uma porta (coisa que faço às vezes para manter em forma os nós dos dedos) e uma mulher farinhenta e de grandes dimensões (tinha aquele aspecto mal cozido e ainda por amassar) apareceu com um bonito pão nos braços.Dei-lhe uma trincadela, e o pão começou a chorar...

Cristina


"A Beringela" do livro "O meu coração é árabe" (Trad. de Adalberto Alvares)

[e a notícia do prémio que recebeu da UNESCO pela escrita deste livro]

Ana Rita




Do livro "Como água para chocolate" de Laura Esquível, a receita do mês de Março: Codornizes com pétalas de rosas

Ingredientes:
12 rosas, de preferência vermelhas
12 castanhas
Duas colheres de manteiga
Duas colheres de fécula de milho
Duas gotas de essência de rosas
Duas colheres de anis
Duas colheres de mel
Dois alhos
6 codornizes
1 pithaya


Alexandra F.


A gripe das vogais do livro "Sopa de Letras" de João Manuel Ribeiro

Carlos Morgado


Alice B. Toklas [1]
Bolinhos de Haxixe (que qualquer pessoa pode preparar num dia de chuva)

    Este é o manjar do Paraíso – dos Paraísos Artificiais de Baudelaire: poderá servir para um lanche divertido num Clube de Bridge de Senhoras (…). Em Marrocos ele é considerado benéfico para a prevenção contra a constipação vulgar que o Inverno húmido traz consigo e é, na realidade mais eficaz se acompanhado por grandes quantidades de chá de menta quente.
    Euforia e tempestades radiantes de gargalhadas; devaneios de êxtase e dilatação da personalidade em diferentes planos simultâneos são efeitos que deverão ser acolhidos de uma forma complacente. Praticamente tudo que Santa Teresa fez, você poderá fazer melhor se se deixar arrebatar por “un évanouissement réveillé”.
 
Ingredientes [8 pessoas]
 1 Colher de chá de grãos de pimenta preta
 1 Noz-moscada Inteira
 4 Paus de canela de tamanho médio
 1 Colher de chá de coriando (Sementes de Coentros: Coriandrum sativum)
 1 Mão cheia de tâmaras cristalizadas
 1 Mão cheia de figos secos
 1 Mão cheia de amêndoas com casca [refere-se à pele da amêndoa]
 1 Mão cheia de amendoins
 1 Mão cheia de amendoins
 1 Chávena de açúcar
 3 Colheres de sopa de manteiga


    Junte uma colher de chá de grãos de pimenta preta, 1 noz-moscada inteira, 4 paus de canela de tamanho médio, 1 colher de chá de coriando. Todos estes ingredientes deverão ser pisados num almofariz. Junte cerca de uma mão-cheia de tâmaras cristalizadas, de figos secos, amêndoas com casca e amendoins: pique estes frutos e misture-os bem. Pode pisar no almofariz uma mão cheia de cannabis sativa , até ficar em pó. Tudo isto, bem como as especiarias, deve ser polvilhado de frutos secos e depois misturado. Dissolva aproximadamente uma chávena de açúcar em bastante manteiga.

    Quer esta massa seja enrolada em forma de bolo e cortada em pequenos pedaços ou trabalhada em bolas do tamanho de uma noz, deverá sempre ser degustada com moderação e cuidado. Dois pedaços são mais que suficientes.

Obter a cannabis pode levantar algumas dificuldades. Mas a variedade conhecida por Cannabis sativacresce como uma erva daninha vulgar, passando muitas vezes desapercebida, em qualquer região da Europa ou Ásia e também nalgumas regiões de África. Para além de que é cultivada e utilizada na produção de cordas. Nas Américas, os seus familiares denominados Cannabis indica, muitas vezes censurados, chegam a ser detectados em vasos nas varandas citadinas[2].

The Alice B. Toklas Cookbook © Penguin, 1984, traduzido por Ana Matoso, in «Receitas Literárias», Volume III, Lisboa: 101 Noites, 2000, pp.74/75

[NOTAS]
[1]Alice Babette. Toklas (1877-1967), companheira de Gertrude Stein durante trinta e nove anos, permaneceu sempre como uma figura de fundo a viver na sombra de Stein, até que Stein publicou as suas memórias em 1933, sob o título The Autobiography of Alice B. Toklas, tornando-se um best-seller. As duas mantiveram-se juntas até à morte de Gertrude Stein em 1946. Em 1968, o filme I Love You, Alice B. Toklas protagonizado por Peter Sellers, dirigido por Hy Averback. É um filme inserido na contracultura dos anos ‘60. O seu título é uma referência à escritora Alice B. Toklas, cujo livro de receitas, escrito em 1954 apresenta uma receita de Bolinhos de Haxixe (Cannabis Brownies).
[2]Esta receita encontra-se inserida no capítulo “Recipes from Friends”, no qual a autora fornece aos seus leitores sugestões culinárias dos seus amigos. A receita propriamente dita para este doce de haxixe é, pois, da autoria de Brian Gysen. (N. da trad.)


Alexandra J.


A festa de Babette por Rubem Alves
(Aqui um pouco mais sobre o filme de Gabriel Axel, a partir do livro de Karen Blixen. Se ainda não viram, façam por ver.)

João e Vasco


"A levedura de cerveja" de Alexandre O'Neill

Que bem que me tem feito a levedura
        de cerveja!
Limpou-me a casposa brotoeja
        e a literatura!

Ou será a pulseira japonesa
        que me prende à saúde?
Ou esses banhos em que o corpo exsuda
        à finlandesa?

À porta dos quarenta todo o cuidado
        é pouco!
Devaneios? Pois sim... Allegro ma non troppo....
        ... e há-de ser dado!

Quem sabe se, minaz, um carcinoma,
        do corpo nos recessos,
a estas horas não me faz progressos
        a caminho do coma?

Complexado como eu também não há
        ninguém!
A não ser, talvez, a minha mãe,
        que já lá está...

A vida, mãezinha, foite dura,
        muito embora...
Adeus, adeus!, que está na hora
        da levedura!


Helena M.


Leonardo Da Vinci

Sopa de Nabiça
Ingredientes
    ½ Kg de Batatas
    1 Molho de Nabiças
    2 Colheres de sopa de azeite
    2 Cebolas médias
    40g de sal
  
    Ponha a água ao lume e, quando estiver a ferver, junte as batatas e as cebolas cortadas em quartos, o azeite e o sal. Deixe cozer em panela tapada e reduza a puré. À parte escalde as nabiças com água a ferver temperada de sal e junte-as ao puré. Deixe levantar fervura e retire do lume passados 10 minutos.


Há quem diga que a rama do nabo, como a da couve, quando apresentadas em qualquer forma sólida, são alimentos exclusivos para as constituições vigorosas, ou seja, talhantes pedreiros e lavradores; e que bibliotecários, inválidos, fêmeas de pequena estatura e todos que tenham digestões delicadas fariam melhor em se abster de tais alimentos.
Eu, pelo contrário, sou de opinião de que o consumo da nabiça e da couve fortalecerá uma digestão frágil, devido às propriedades das folhas, que já vi darem novo alento a uma cabra doente, e de uma vaca agonizante fazerem um animal cheio de vida, ao ponto de se por a dançar.
Mas quanto aos que crêem na primeira teoria, podem experimentar a sopa: atar em molhos as nabiças ou as couves com a ajuda de crina de cavalo. Mergulhá-los em água a ferver, a que se adicionou um pouco de sal, durante meia hora. O líquido coado pode constituir um prato ligeiro durante a Quaresma.

Apontamentos de Cozinha de Leonardo Da Vinci, in «Receitas Literárias», Volume I, Lisboa: 101 Noites, 2000, pp.20/21

Rui Paulo


De Álvaro de Campos "Dobrada à moda do Porto"

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo…

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

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