a Maria Teresa apresentou «O Sol dos Scorta», de Laurent Gaudé |
«Depois de ter passado quinze anos na prisão, Luciano Mascalzone regressa a Montepuccio, uma pequena aldeia do Sul de Itália onde as horas passam debaixo de um calor inclemente. Luciano vem à procura de Filomena Biscotti, uma mulher que desde a juventude deseja profundamente, mas ignora ainda que quem lhe abrirá a porta de casa e se deixará violar será Immacolata, a irmã mais nova de Filomena. Espancado pelos habitantes da aldeia, Luciano morre sem saber que Immacolata dará à luz um filho, o primeiro elo da linhagem dos Scorta...»
a Cristina, a propósito de "não deixar cair os finais das frases", leu |
Levando um velho avarento
Uma pedrada no olho,
Põe-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.
Certo, doutor, não das dúzias,
Mas sim do médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.
"Dez moedas! (diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro eu dou por isso."
Bocage
e a propósito da apresentação pública "A poesia é para comer", no próximo dia 4 de Julho, data da sessão final desta 5ª edição do CLeVA, leu:
A defesa do poeta
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
Que favor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de perdão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
A poesia é para comer.
Natália Correia
de "Poesia Completa"
nota em rodapé:
"Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória. O que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a a sentença."
Natália Correia
a Luísa e a Ana leram um conto de José Mário Silva |
Arma mortal
Ela disse-lhe baixinho: «Uma flor branca pode ser uma arma
mortal». Ele fez que sim com a cabeça, quase envergonhado. Nas visitas à
clínica, nunca mais lhe levou lírios. Só caixas de bombons com recheio de
praliné, conversas de circunstância, cigarros e revistas cor-de-rosa.
Há palavras que são iguais às coisas que nomeiam. Há palavras
que não são iguais às coisas que nomeiam. Ele pensa na palavra tubérculo e não
consegue imaginar formas semelhantes a uma batata. Ele pensa na palavra
alumínio e consegue ver uma peça de metal que brilha. «Flor», por exemplo.
«Dizemos flor e o próprio som parece uma corola que nos sai da boca. Dizemos
flor e a língua fica com um sabor a pétalas». Ele vai pensando tudo isto na
paragem, após a visita. O frio enfia-se pelas mangas do casaco. O autocarro
nunca mais chega.
A pedra. A pedra no ar. Uma coisa que voa. Uma palavra que
voa. Matéria escura e sólida, sujeita às leis da física. Puxada para cima pelo
nosso olhar e para baixo pela gravidade (mas a gravidade tem sempre mais força
do que o nosso olhar). Ele recorda uma coisa que parece muito antiga mas não é:
«Uma vez peguei numa pedra e atirei-a por cima do muro, embrulhada num papel
que dizia: eis o meu coração, dou-to.» Infelizmente, naquela tarde ela não se
sentara no lugar do costume e a pedra acertou-lhe em cheio na cabeça, com a
aresta mais cortante. Desmaiou. Alguém chamou uma ambulância. Dois dias mais
tarde, ele visitou-a na clínica. Ela não chegara a ler o papel, abandonado
sobre a relva, manchado de sangue. Com a cabeça cheia de ligaduras,
perguntou-lhe: «Que raio de pessoa seria capaz de fazer uma coisa destas?»
Na florista, cinco minutos antes da visita, decidira-se pelos lírios, apesar dos conselhos da vendedora puxarem mais para as rosas. Ao regressar a casa, cabisbaixo, pensou nos olhos dela. Já não sabia se eram azuis ou castanhos. Já não sabia se seriam capazes de o olhar, depois de conhecerem a verdade. Repetiu baixinho, para si mesmo: «Uma flor branca pode ser uma arma mortal». E acrescentou: «Um coração também.»
a Alexandra e a Margarida leram um excerto de As mil e uma noites |
a Ilda leu Surpresa! Surpresa!, de Michael Foreman |
a Virgínia leu «O Ladino», um dos contos de Bichos de Miguel Torga |
o Renato leu um excerto de A Cidade e as Serras de Eça de Queirós |
a Gabriela leu um poema de Ievgueni Ievtuchenko |
Batem à porta
"Quem é? -
" A velhice.
Vim ter contigo."
Vim ter contigo."
"Volta mais tarde.
Estou ocupado.
Tenho coisas que fazer!"
Escrevi.
Telefonei.
Estraguei uma omeleta.
Depois abri a porta,
Mas não estava lá ninguém.
Talvez uma partida dos amigos.
Ou talvez não ouvisse bem o nome.
Não foi a velhice
Mas a maturidade que aqui esteve,
não pode esperar,
suspirou e partiu!
Estou ocupado.
Tenho coisas que fazer!"
Escrevi.
Telefonei.
Estraguei uma omeleta.
Depois abri a porta,
Mas não estava lá ninguém.
Talvez uma partida dos amigos.
Ou talvez não ouvisse bem o nome.
Não foi a velhice
Mas a maturidade que aqui esteve,
não pode esperar,
suspirou e partiu!
o Luís leu um excerto de Memórias da Irmã Lúcia |
Treze de Maio
Dia 13 de Maio (de) 1917 – Andando a brincar com a Jacinta e
o Francisco, no cimo da encosta da Cova da Iria, a fazer uma paredita em volta
duma moita, vimos, de repente, como que um relâmpago.
– É melhor irmos embora para casa, – disse a meus primos –
que estão a fazer relâmpagos; pode vir trovoada.
– Pois sim.
E começamos a descer a encosta, tocando as ovelhas em
direcção à estrada. Ao chegar, mais ou menos a meio da encosta, quase junto
duma azinheira grande que aí havia, vimos outro relâmpago e, dados alguns
passos mais adiante, vimos, sobre uma carrasqueira, uma Senhora, vestida toda
de branco, mais brilhante que o Sol, espargindo luz, mais clara e intensa que
um copo de cristal, cheio d’água cristalina, atravessado pelos raios do sol
mais ardente. Parámos surpreendidos pela aparição. Estávamos tão perto, que
ficávamos dentro da luz que A cercava ou que Ela espargia, talvez a metro e
meio de distância, mais ou menos.
Então Nossa Senhora disse-nos:
– Não tenhais medo. Eu não vos faço mal.
– De onde é Vossemecê? – lhe perguntei.
– Sou do Céu.
a Maria leu Surpresa! Surpresa!, de Michael Foreman |
a Maria Teresa leu um capítulo de As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino |
As cidades e as trocas 2.
Em Cloé, grande cidade, as pessoas que passam pelas ruas não
se conhecem. Ao verem-se imaginam mil coisas umas das outras, os encontros que
poderiam verificar-se entre elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as
ferroadas. Mas ninguém dirige uma saudação a ninguém, os olhares cruzam-se por
um segundo e depois afastam-se, procurando novos olhares, não param.
Passa uma rapariga
que faz rodar uma sombrinha apoiada no ombro, e abana também um pouco o redondo
das ancas. Passa uma mulher vestida de preto com ar de velha, de olhos
inquietos por baixo do véu e com os lábios a tremer. Passa um gigante tatuado;
um homem novo de cabelos brancos; uma anã; duas gémeas vestidas de cor de
coral. Algo corre entre eles, uma troca de olhares como linhas a ligarem uma
figura à outra e desenhando setas, estrelas, triângulos, até que todas as
combinações se esgotam num instante, e entram em cena outras personagens: um
cego com um leopardo pela trela, um cortezão com um leque de penas de avestruz,
um efebo, uma mulher gordíssima. Assim entre os que por acaso se encontram
juntos a abrigar-se da chuva debaixo de um pórtico, ou se apinham debaixo dos
toldos de um bazar, ou param para ouvir a banda no coreto da praça, consumam-se
encontros, seduções, ligações, cópulas, orgias, sem que troquem uma palavra,
sem que se toquem com um dedo, quase sem se olharem.
Uma vibração de
luxúria move continuamente Cloé, a mais casta das cidades. Se os homens e
mulheres começassem a viver os seus efémeros sonhos, todos os fantasmas se
tornariam pessoas com quem se poderia começar uma história de perseguições, de
ficções, de malentendidos, de choques, de opressões, e assim acabaria o
carrossel das fantasias.
o Tomás leu um excerto de O mistério da casa invisível, de Enid Blyton |
Começava a clarear o dia. O Gordo, o Luís e o Filipe
sentiam-se felizes por caminharem ao longo do pequeno ribeiro. Parecia-lhes
terem andado uma data de quilómetros! Finalmente chegaram à ponte e
dirigiram-se para a aldeia.
- O melhor é irmos primeiro a casa do Goon para lhe dizermos
que o Ern está bem. - sugeriu o Gordo. De lá telefonariam Sr. Inspector.
Com grande espanto do Inspector, que estava a olhar para a
janela, viu repentinamente Gordo o Luís e o Filipe a subir a rua como se fossem
uns velhinhos muito cansados.
- Olha para lá Goon! Lá vêm eles. Só o Ern é que não!
O Sr. Goon ia tendo um colapso. Os três rapazes subiram o
caminho que os levava até à porta, e tocaram a campainha. O Gordo ficou de boca
aberta de surpresa e prazer ao ver o Inspector abrir-lhe a porta.
a Maria João leu um poema de Josete |
A vida, como uma caixa, nos é
doada.
O que tem dentro, não sabemos nada.
Queremos abri-la, a mão parece atada.
Mas a quem nos concedeu, dizemos: obrigada.
Ela nos surpreende a todo o momento.
Às vezes, nos causa desalento,
em outras, encantamento.
Às vezes, nos transmite arrebatamento,
em outras, arrependimento.
Rico vira pobre,
pobre vira rico.
Hoje estamos tristes.
E como estaremos amanhã? Alegres?
E as surpresas vão surgindo,
uma a uma estão saindo.
Esperamos que as que vêm vindo,
deixem-nos, para sempre, sorrindo.
O que tem dentro, não sabemos nada.
Queremos abri-la, a mão parece atada.
Mas a quem nos concedeu, dizemos: obrigada.
Ela nos surpreende a todo o momento.
Às vezes, nos causa desalento,
em outras, encantamento.
Às vezes, nos transmite arrebatamento,
em outras, arrependimento.
Rico vira pobre,
pobre vira rico.
Hoje estamos tristes.
E como estaremos amanhã? Alegres?
E as surpresas vão surgindo,
uma a uma estão saindo.
Esperamos que as que vêm vindo,
deixem-nos, para sempre, sorrindo.
o Fernando e a Cristina leram de Eugénio Roda, "Capuchinho Vermelho à Caçador" do livro "Capuchinho Vermelho: Histórias secretas e outras menos" |
a Celina leu um excerto de O desafio, de Richard Towers |
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